top of page

A volta do fichário da vergonha: por que o Cadastro de Estupradores em São Paulo preocupa quem defende os direitos humanos?

  • Foto do escritor: Ronaldo Piber
    Ronaldo Piber
  • 3 de jul.
  • 3 min de leitura

Por Ronaldo Piber*

Imagem da Internet
Imagem da Internet

Em 30 de junho de 2025, foi publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo a Lei nº 18.157/2025, de autoria do Deputado Gil Diniz (PL), criando o Cadastro Estadual de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro. A norma determina que a Secretaria da Segurança Pública organize um banco de dados com foto, dados pessoais, características físicas, datiloscopia e DNA de pessoas condenadas por estupro — mesmo após o cumprimento da pena.


À primeira vista, pode parecer uma medida de proteção. Mas o que se esconde por trás do discurso de segurança? Uma leitura mais atenta revela graves violações a direitos fundamentais, abrindo caminho para o estigma eterno, vigilância arbitrária e política penal populista — sem efetividade comprovada na prevenção à violência sexual.


Uma punição perpétua disfarçada de cadastro

O inciso 1º do artigo 1º da lei é claro ao afirmar que a inclusão no cadastro não depende da pena estar em execução. Em outras palavras, o indivíduo condenado, mesmo após pagar sua dívida com a Justiça, continuará rotulado como "estuprador" pelo Estado. Isso fere diretamente o princípio constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da Constituição Federal) e o direito à reintegração social, previsto na Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84).


A marca perpétua de um crime, ainda que após o cumprimento integral da pena, é uma forma de punição adicional informal, vedada expressamente no Estado de Direito. Não se trata mais de justiça, mas de vingança institucionalizada.


DNA estatal: biopolítica e o risco de abuso

A coleta obrigatória de DNA sem previsão clara de garantias legais, finalidade específica ou prazo de armazenamento remete ao que Michel Foucault chamaria de “biopolítica da punição”: o corpo do condenado se torna objeto de vigilância permanente do Estado. A ausência de qualquer previsão sobre limites de acesso, prazo de guarda, eliminação de dados, destinação científica ou policial amplia o risco de desvio de finalidade, violando o direito à intimidade, privacidade e proteção de dados pessoais (Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD, Lei nº 13.709/2018).


Mais grave ainda: a criação desse banco de dados ocorre em um contexto político em que minorias — como pessoas LGBTQIA+ — têm sido alvo crescente de criminalização, especialmente pessoas trans em situação de marginalização, que frequentemente enfrentam injustiças no sistema penal.


Segurança pública com base em medo não é política eficaz

É compreensível que a sociedade queira proteção contra crimes sexuais — todos queremos. Mas há uma diferença entre proteger a sociedade e violar direitos humanos sob pretexto de segurança. Não há evidência empírica de que cadastros públicos ou internos de criminosos sexuais diminuam a reincidência. Pelo contrário: a exposição permanente agrava o estigma, dificulta a reinserção social e pode até aumentar o risco de reincidência por isolamento social e desespero.


Além disso, cadastros como esse têm histórico problemático em outros países, sendo usados de forma discriminatória contra minorias raciais, de gênero ou orientação sexual. Em contextos conservadores e homofóbicos, qualquer homem gay ou mulher trans condenada injustamente por abuso — algo infelizmente comum em sistemas judiciais marcados por preconceito — pode ter seus dados eternamente marcados, sem direito a recomeçar.


Uma brecha para retrocessos maiores

A Lei 18.157/2025 não está isolada. Ela se insere em um projeto de endurecimento penal que frequentemente despreza garantias básicas e se alimenta da espetacularização da dor. Se não houver resistência jurídica, legislativa e da sociedade civil, veremos a expansão de medidas semelhantes: cadastros de usuários de drogas, listas de pessoas trans, banco de dados sobre HIV — o retorno do fichário moralizante do Estado.


Conclusão: por justiça, não por vingança

Crimes sexuais são graves e devem ser punidos com rigor — mas com justiça, legalidade e limites constitucionais. A resposta nunca pode ser o arbítrio, a exposição pública e a perpetuação do castigo. Precisamos de políticas que protejam sem punir para sempre, que investiguem com responsabilidade, que cuidem das vítimas sem sacrificar os direitos de todos. A Lei 18.157/2025 não protege: ela envenena o sistema penal com revanche e desumanização.


Que fique o alerta: um Estado que começa fichando os condenados, pode amanhã fichar quem você ama, quem você é, quem resiste.


Veja a íntegra da lei 18.157/2025:



*Ronaldo Piber é advogado colunista do Jornal Pimenta Rosa


 
 
 

Comentários


White on Transparent.png

Inscreva-se no site para receber as notícias tão logo sejam publicadas e enviar sugestões de pauta

  • Facebook
  • Instagram
  • Twitter
  • YouTube

Obrigado por inscrever-se!

@2022 By Jornal Pimenta Rosa

bottom of page