A voz que querem calar: a luta pelo reconhecimento de todas as identidades na Itália
- Pimenta Rosa
- 22 de mar.
- 3 min de leitura
Proibição do uso de linguagem neutra em escolas italianas evidencia o confronto entre conservação linguística e direitos humanos

A recente decisão do governo italiano de proibir o uso de linguagem neutra nas escolas públicas é mais do que uma simples medida gramatical: é um ataque direto à visibilidade e dignidade de pessoas trans e não binárias. Sob o pretexto de preservar a coerência linguística e manter as tradições culturais, a gestão liderada por Giorgia Meloni impõe uma norma que aprofunda a exclusão e reforça o silenciamento de identidades já marginalizadas.
A justificativa oficial para a proibição se baseia em dois pilares: a manutenção da coerência linguística e a conservação das tradições. A língua italiana, como outras de origem latina, tem o gênero masculino como inclusivo por convenção. Entretanto, o argumento de que o uso de símbolos como o asterisco (*) e o schwa (ə) compromete a clareza é frágil diante da urgência de uma comunicação mais inclusiva. Os movimentos sociais que defendem a linguagem neutra não buscam desestabilizar a língua, mas adaptá-la às demandas de uma sociedade diversa.
Mais do que uma questão de regras gramaticais, a decisão reflete um projeto político de conservação ideológica. A liderança de Meloni tem reforçado valores tradicionais em nome de um suposto ‘senso comum’ que, na prática, exclui e marginaliza. A postura do governo é exemplificada pela insistência em referir-se a Meloni como “il presidente”, em vez de “la presidente”, sinalizando a rejeição de qualquer flexibilidade linguística relacionada ao gênero.
Nas salas de aula, a proibição cria um ambiente hostil para estudantes trans e não bináries. Ao negar o reconhecimento de suas identidades, o sistema educacional falha em seu papel de promover o acolhimento e o respeito à diversidade. O sentimento de invisibilidade imposto por essa medida tem consequências diretas no desempenho escolar e na saúde mental desses jovens. Relatos de estudantes indicam que a falta de representação e o bullying são intensificados em um contexto em que até mesmo a linguagem os rejeita.
Embora a Constituição Italiana garanta igualdade para todos os cidadãos, a lacuna sobre o reconhecimento de linguagem neutra permite interpretações discriminatórias. O direito à liberdade de expressão, fundamental em democracias, está em jogo. Grupos de defesa dos direitos LGBTQ+ argumentam que impedir a utilização de linguagem neutra limita à autodeterminação e perpetua a exclusão.
Em resposta à proibição, movimentos sociais, sindicatos e grupos de educadores se mobilizam para desafiar a medida. Protestos e manifestações têm ganhado força, ecoando a indignação de uma parcela significativa da sociedade que rejeita o retrocesso em nome de uma falsa neutralidade linguística. Comparado ao exemplo de Buenos Aires, onde a proibição da linguagem inclusiva gerou intensos protestos, o caso italiano tem potencial para desencadear um debate global sobre o papel da linguagem na inclusão social.
A proibição do uso de linguagem neutra nas escolas italianas não é apenas uma questão de regras gramaticais; é uma manifestação de um projeto político que visa silenciar identidades fora do padrão binário. Em um momento em que o mundo avança para a inclusão, a medida representa um retrocesso preocupante. A língua é viva e evolui com a sociedade. Impedir essa evolução é negar direitos e perpetuar desigualdades. Na luta por uma sociedade mais justa e inclusiva, a resistência linguística é também uma forma de existir.
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