Antes tarde do que nunca: reflexões de Eduardo Papa sobre a redenção dos humilhados
Uma análise profunda do professor de História, jornalista e artista plástico dos eventos recentes e a vitória moral sobre os resquícios da ditadura militar.
O novo artigo do professor de História, jornalista e artista plástico Eduardo Papa é uma análise contundente e emocional sobre os eventos recentes que marcaram o Brasil. Em um momento em que os clubes militares tentam reviver festividades que celebram um passado sombrio, Eduardo Papa não hesita em destacar a verdadeira vitória: o fracasso do golpe de estado de Bolsonaro e seus aliados. Neste texto poderoso, Papa reflete sobre sua própria experiência no MEP (Movimento pela Emancipação do Proletariado), uma organização que lutava contra a ditadura militar.
Eduardo compartilha as duras memórias de perseguição, tortura e resistência, enfatizando a coragem dos que nunca entregaram seus ideais. Agora, com a perspectiva do tempo, ele celebra não apenas a derrocada dos golpistas, mas também a redenção daqueles que sofreram e resistiram. Leia o artigo para ter uma visão perspicaz e emocionante sobre o passado e o presente do Brasil, enquanto Eduardo Papa nos lembra que, apesar das ameaças persistentes, a vitória moral é algo que nenhum golpe pode apagar.
Antes tarde do que nunca, a redenção dos humilhados!
Enquanto os clubes militares organizam pelo país festinhas, um tanto envergonhadas, para suprir a ausência de comemorações das seis décadas do golpe militar, finalmente proibida nas casernas. Os brasileiros que viveram a luta para derrubar a ditadura militar podem orgulhosamente alardear sua grande vitória, que na verdade somente agora foi consubstanciada. O fracasso retumbante da tentativa de golpe de estado de Bolsonaro e sua troupe mambembe, deu a oportunidade para milhares de velhos lutadores sociais finalmente terem a sua desforra.
Não falo de ações políticas, medidas judiciais, alteração na correlação de forças, mudança em tendências da opinião pública ou qualquer resultado no plano institucional dentro dos limites de nossa sociedade burguesa, mas sim de uma gigantesca vitória moral sobre os golpistas que triunfaram em 1964, algo que lava a alma de tal maneira, com uma grandeza de uma profundidade, que pode até demorar a cair a ficha.
Eu tenho muito orgulho de ter militado no MEP (Movimento pela Emancipação do Proletariado), uma organização comunista que lutava pela derrubada do regime. Em 1979 sofremos um ataque feroz das forças de repressão, muitos companheiros foram presos e barbaramente torturados, inclusive a nossa companheira Dilma Roussef, os que escaparam viveram um período de medo e perseguição. Alguns grandes amigos meus na época, companheiros do movimento estudantil na Universidade Federal Fluminense (UFF), foram cruelmente seviciados e saíram com sequelas nos corpos e nas almas, que nós que ficamos de fora lutando pela sua libertação, só podemos esperar que tenham superado plenamente.
Mas ninguém abriu nada, ninguém entregou ninguém. E essa foi a marca dos homens e mulheres de ferro que venceram os anos de chumbo enfrentando por duas décadas os porões da ditadura, claro que nem todos puderam resistir, claro que teve traição, entretanto a maioria mostrou a seus algozes a força de sua ideologia e muitos pagaram com a vida na guerra suja, que acabou com um gosto meio amargo para os vencedores, com a passada de pano para os carniceiros torturadores.
A vida seguiu, construímos uma constituição, que com justiça ganhou o epíteto de cidadã, e aos trancos e barrancos começamos a reconstruir um país mais humano, enquanto essa gente trevosa mergulhou no submundo, formando esquadrões da morte a serviço da contravenção e do crime organizado, evoluindo para o refinamento das atuais milícias, que forneceram os quadros políticos para liderar a ascensão desse movimento de extrema direita, que voltou a empolgar o 'partido militar', desnecessário relembrar todo o doloroso processo que vivemos até o fracassado golpe militar de Bolsonaro et caterva.
Não que a ameaça esteja de todo afastada, a hidra não está morta, que me perdoem meus amigos lulistas mais entusiasmados, mas o golpe não prosperou pelo advento do seu L, mas porque faltaram aos generais golpistas o L do Lincon Gordon e o L do Lindon Johnson, não há dúvida nenhuma que se o Tio Sam tivesse embarcado na empreitada, hoje a gente ia estar fugindo por aí. O perigo está longe de ser conjurado o latifúndio exportador e a Faria Lima, essa nossa classe dominante com seu DNA escravocrata não vai desistir, mas por hora podemos saborear a mais deliciosa vitória.
Que espetáculo maravilhoso assistir os generais traidores da pátria, sim pois que até na mais obscura república de bananas conspiração de militares para tomar o poder é alta traição, carregando nas costas esse crime vergonhoso, todos com o dedo de seta em riste envolvidos em um verdadeiro frenesi de delações, entregando uns aos outros despudoradamente na esperança de aliviar seus próprios traseiros. Que vexame!
Imaginem esses generais, de reconhecida inapetência para o trabalho, mais chegados a solenidades regadas a bebidas finas e churrascadas, disputando quem vai dedurar tudo primeiro, em verdadeiras maratonas com horas de depoimentos varando madrugadas, sem que ninguém tenha sido torturado ou sequer constrangido, a não ser pela própria vergonha.
Os velhos combatentes da classe trabalhadora, que resistiram as mais abjetas perseguições, podem olhar de cima essa gente covarde, enxovalharam e jogaram na lama a farda que vestem por pura cupidez, afinal vá lá que entre os vetustos golpistas de 64 que vão a festinha no Clube Militar um ou outro acreditasse de fato na 'ameaça do comunismo', eram os tempos da guerra fria, mas hoje em dia esse fantasma só assusta os mais incautos e ignaros apoiadores do mito, pois entre os kids pretos, e a cúpula golpista o espírito certamente era o de ‘make the mamata great again’.
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