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Avante professores! Precisamos de vocês!

  • Eduardo Papa
  • 12 de abr.
  • 7 min de leitura
Ilustração de Felipe Mendes - @ocoletordehistorias
Ilustração de Felipe Mendes - @ocoletordehistorias

Por Eduardo Papa


Dizem que lá no Japão apenas os professores podem ficar de frente ao imperador sem se curvar, de fato os povos do extremo oriente parecem valorizar mais do que nós a educação. Na China, há quatro mil anos, os mandarins que administravam a burocracia imperial já eram selecionados em concurso público, hoje em dia, para entrar no Partido Comunista Chinês tem prova de admissão (sem pelo menos um bom ensino médio ninguém entra) e seria inconcebível um político assumir um cargo executivo importante sem uma sólida formação acadêmica. Isso lá do outro lado do mundo, porque aqui no nosso hemisfério, apesar da furiosa defesa da meritocracia feita pela cartilha do neoliberalismo, o que temos visto é a caquistocracia (governo dos piores) reinar. Veja o Trump, por exemplo, cercou-se de uma coleção de negacionistas e nulidades intelectuais, está escorraçando do país pesquisadores e cientistas estrangeiros e chegou ao ponto de extinguir o órgão correspondente ao ministério da educação do país.

 

Aqui também a educação é desde sempre alvo da turma da motosserra, lembro bem de Leonel Brizola em um debate eleitoral, contra a acusação de que gastava demais com o programa dos CIEPs, sustentar de forma brilhante que a educação não é cara, que cara é a ignorância. Embora tenha dado ao mundo grandes educadores como Gustavo Capanema, Anísio Teixeira e Paulo Freire, a educação brasileira tem sido colocada em plano secundário e dirigida de maneira ruinosa por nossos governantes. Lembram dos ministros da educação do governo passado? O primeiro orientava seus seguidores a dizer impropérios e ofender os debatedores oponentes ao esgotarem-se seus argumentos; o segundo indicado sequer assumiu o cargo, pois apresentou informações falsas na entrevista de emprego; depois veio um pastor que mandou fazer uma bíblia com o retrato dele, quer mais? No novo governo, que contou com massivo apoio no magistério, o Ministério da Educação foi entregue a um político baiano, que pouco ou nada entende sobre o que se propõe a administrar, e tem demonstrado mais interesse por assuntos políticos do que em discussões técnicas de sua pasta.

 

Quando uma sociedade está em crise, a escola é o primeiro lugar onde ela se manifesta e a nossa educação vive uma baita crise! Os resultados são catastróficos: ocupamos as últimas posições no ranking de proficiência em todas as provas de avaliação existentes; o índice de violência nas escolas é estratosférico, tanto a gerada dentro da própria comunidade escolar, como a imposta por fatores externos; os indícios de corrupção com os recursos do FUNDEB são alarmantes, multiplicam-se em todo o país e pouca coisa é apurada. Esse caos fragiliza nossa escola pública, abrindo o flanco para um pernicioso processo de privatização. Obedecendo ao mesmo modus operandi verificado em outros setores da máquina pública, primeiro sucatear sem piedade, destruir e desacreditar as instituições, para depois apresentar a privatização como a solução mágica, como abutres carniceiros grupos econômicos tentam vorazmente abocanhar os recursos destinados a educação. O governador de São Paulo acabou de ver barrada pela justiça a sua tentativa de privatizar diversas escolas da rede estadual, porém, a proposta se alastra pelo país.

 

A confusão impera na educação brasileira: fizeram uma reforma do ensino médio que é uma aberração e cuja efetivação tem se mostrando inviável na prática; como a educação não é federalizada, cada ente da federação faz o que quer, o governo federal estabeleceu um piso salarial para o magistério que prefeitos e governadores ignoram solenemente (mesmo não sendo nenhuma sinecura); os recursos são gastos sem obedecer a qualquer planejamento e muitas vezes sem o devido controle, kits de robótica foram adquiridos para escolas que não tem sequer energia elétrica, enfim, o caos! Mas como já dizia Darcy Ribeiro, a crise na educação brasileira não é circunstancial, mas sim um projeto estrutural da classe dominante e fora as ONGs patrocinadas pelo capital, que como vimos sabem muito bem o que querem, está difícil aparecer quem aponte soluções efetivas para a crise do ensino. Encontrar a resposta para problemas complexos como o que tratamos agora não é nada fácil, já apontar o dedo e atribuir culpas é mole e dá engajamento, o que levou a uma tendência de escalar os professores para o papel de bode expiatório.

 

Voltamos aqui ao imperador do Japão. Na China cientista é pop star, dá entrevista na TV aberta e é reconhecido na rua por populares, nas sociedades orientais o conhecimento é valorizado e os mestres são ouvidos e prestigiados em suas comunidades. Aqui os professores geralmente são recebidos pelos governantes com tiro, porrada e bomba, além da polícia, os mestres apanham cada vez mais de alunos, pais de alunos, meliantes locais, etc. Recebem os piores salários entre seus colegas do mundo inteiro e a mais baixa remuneração entre os profissionais de nível superior do país. Não é preciso a sabedoria de um Confúncio, para compreender a relação entre o tratamento dado a educação e os resultados econômicos e sociais obtidos pelas sociedades.

 

O brutal massacre a que o Brasil sujeita seus professores, reduzidos à miséria, com condições de trabalho indignas e sujeitos a perseguição política e ideológica, tem um efeito arrasador. Além das doenças e dos dramas humanos e familiares, essa destruição tem conseqüências gravíssimas para o país, os professores estão acabando! No dia em que a sociedade resolver olhar com seriedade para a educação, vai se deparar com um apagão no magistério: a evasão de quadros de futuro promissor; a drástica diminuição de formação de profissionais, pela crescente falta de interesse nos cursos de licenciatura; o afastamento de trabalhadores adoecidos pela degradação de suas condições de trabalho e vida, essa realidade que atinge duramente a carreira do magistério, dificulta a reposição dessa mão de obra. O problema vem sendo driblado pelo aumento da jornada de trabalho (horas extra ou mudança de regime de trabalho), pela liberação de cursos de licenciatura na modalidade EAD (imagine alguém propor ao imperador japonês formar os professores de lá por correspondência) e todo tipo de gambiarra para empurrar o problema com a barriga, o que tem como resultado aumentar as precariedades do sistema.

 

Era hora da sociedade brasileira abraçar suas escolas e apoiar seus mestres, em benefício de seu próprio futuro, mas vemos justo o inverso. Uma das faces mais perversas da escalada fascista que vivemos é o ataque a cultura e ao conhecimento, peço ao leitor apenas que tente imaginar o que se passa na cabeça de um adolescente impelido a gravar furtivamente a aula de seu professor, para submeter ao escrutínio de boçais fanatizados. Parece começar a sair da prateleira do absurdo a idéia de um mundo sem escolas, em que os professores seriam substituídos por robôs de IA, e a socialização e formação de identidades passaria a ser feita em bolhas virtuais, de dar arrepios não é? Porém, é cada vez maior o número de pessoas poderosas como Elon Musk, cuja miséria intelectual e afetiva leva a defender tamanha monstruosidade. Há um projeto tramitando no legislativo brasileiro que acaba com a obrigatoriedade da frequência escolar, liberando as famílias para educar as crianças em casa, seria a regressão a uma concepção de educação pré iluminista, que abre brechas para a exploração do trabalho infantil.

 

A destruição da escola como a conhecemos hoje faz parte do projeto neoliberal para a sociedade e o desvio das verbas do FUNDEB, a desvalorização dos profissionais da educação, a perseguição aos educadores, indicam que o processo está em andamento acelerado. A educação brasileira está sob ataque cerrado e faltam-lhe defensores: o capital patrocina uma série de entidades como “Todos pela Educação”, que na verdade são parte do problema, com seus patronos ávidos para abocanhar mais esse quinhão das verbas públicas; na política institucional está difícil, basta comparar o número de políticos eleitos que se apresentam como educadores, com a multidão de delegados, capitães, coronéis, sargentos, generais e afins que povoam nossas casas legislativas (tem até um que diz ser da SWAT); a mídia trata do assunto de maneira superficial, apontando problemas sem jamais aprofundar a análise de suas causas e focando em casos de sucesso animadores que não refletem a realidade; a Igreja Católica tem a sua própria rede de ensino e não demonstra grande interesse pela escola pública;  dessas igrejas pentecostais, que estão ganhando grande influência sobre o povo, também não se pode esperar nenhum apoio, pois no fundo vicejam e prosperam na ignorância; sindicatos e organizações de trabalhadores, que teoricamente seriam forças em defesa da instrução pública, além de enfraquecidos, não entendem a questão como prioridade. A educação brasileira foi silenciosamente abandonada por uma sociedade hipócrita, que sequer a define como serviço essencial, onde o todos pela educação é uma ficção, na real é ninguém pela educação, cujo fracasso é varrido para baixo do tapete por toda a cidadania.

 

A única força com que a nossa escola, nossas crianças e o nosso futuro como nação podem contar mesmo, são os nossos professores. Enxovalhados, humilhados, empobrecidos, agredidos e oprimidos de todas as formas, nossos educadores resistem, sem essa pieguice ridícula de comparação com o sacerdócio, contra tudo e contra todos, eles estão aí. A sua própria existência, em condições tão adversas, já é em si um ato de resistência, mas para essa gente de fibra é pouco: colocam o dedo em riste no nariz de prefeitos e governadores; apanham da polícia sem se dobrar e sem remorsos; conseguem se fazer ouvir, ainda que a mídia ignore suas vozes; garantiram a manutenção do serviço público na educação, enquanto outros setores foram sucumbindo à privatização como a saúde, por exemplo, com suas organizações sociais.

 

São cerca de dois milhões e meio de brasileiros: pretos, brancos, indígenas, orientais, descendentes de árabes, judeus e de todas as nações do mundo; homens, mulheres, seres humanos de todo tipo de orientação sexual; pessoas das mais diversas crenças religiosas ou ideologias políticas; jovens professoras da pré-escola ou experimentados decanos da academia, espalhados pelos quatro cantos do país e unidos pelo mesmo carma – a luta da luz contra a treva. Pessoas que, por vontade própria, buscaram desenvolver o conhecimento em uma determinada área e tem a generosidade de trabalhar em seu compartilhamento, fazendo de sua labuta diária um ato de amor. Espíritos dessa grandeza não podem ser derrotados, mesmo que o ”admirável mundo novo” do neoliberalismo venha a se concretizar e o Estado seja reduzido a um punhado de nababos destinados a julgar os miseráveis e as forças de repressão, podem contar que os educadores serão os últimos a cair. Por isso, caro leitor, quando cruzar com nossos professores em passeata pelas ruas de sua cidade, muito respeito! Eles são a nossa última linha de defesa contra a barbárie.

 

*Eduardo Papa - Colunista, professor, jornalista e artista plástico (www.mosaicosdeeduardopapa.com)

 
 
 

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