CONTENÇÃO CRUENTA
- Eduardo Papa*

- há 5 dias
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Triste é a sociedade em que se monta palanque eleitoral sobre cadáveres?

*Eduardo Papa
Rio de Janeiro, 28 de outubro de 2025. Enquanto o prefeito Eduardo Paes inaugurava o Parque Arlindo Cruz, no bairro da Piedade, com direito a batucada e passistas, em uma solenidade alegre e brejeira, não muito longe dali, na Penha, o governador Cláudio Castro comandava a maior matança da história das polícias no Brasil. A construção do parque, onde funcionava uma das mais tradicionais universidades privadas da cidade - a Gama Filho, cujo prédio acabou nas mãos do poder público após a sua falência, tem muito a nos dizer sobre o que acontecia na Penha. A demolição de uma universidade pronta para funcionar, para construir uma área de lazer, explica um pouco como as opções políticas dos cariocas nos conduziram a tragédia que acontecia na mesma hora.
O complexo de favelas do Alemão, com cerca de 200 mil moradores, principal reduto do Comando Vermelho na cidade, foi alvo de uma operação policial, que mobilizou mais de 2.500 agentes das forças de segurança, apoiados por todo o equipamento disponível nas polícias fluminenses. Com o banho de sangue ainda em andamento, o governador e sua equipe já apresentavam a operação como bem-sucedida, com um detalhe importantíssimo, lançaram no ar o conceito de narcoterrorismo para definir as facções criminosas da cidade. Para entender o que significa o sucesso para Castro e seus comandantes, vamos comparar os resultados da operação Contenção que comandaram, com a operação Carbono Oculto da Polícia Federal contra o PCC em São Paulo.
Sem disparar um único tiro, a PF desmantelou um esquema de lavagem de dinheiro em combustíveis, que deu um prejuízo bilionário ao crime organizado e prendeu elementos importantes da organização criminosa. Aqui no Rio, enquanto Castro dava suas declarações alardeando sucesso, já era 64 o número de cadáveres (no momento em que estou escrevendo a conta está em 121); não prendeu ninguém importante, o tal de Doca, chefão que era o objetivo principal, evadiu-se sem que nenhum dos dois mil e quinhentos policiais tivesse nenhuma notícia de como foi (será mesmo?); apreenderam uma quantidade de fuzis menor do que a que encontraram no paiol do vizinho de Bolsonaro na Barra, e um volume de drogas insignificante, se comparado com o que se estima movimentar o tráfico na região. Qual foi o sucesso então?
Se objetivos publicamente apresentados não foram alcançados, quais as motivações ocultas que levaram Castro a se considerar vitorioso? O Governador está acuado, terça-feira o STE julga se cometeu crime eleitoral na sua reeleição, por ter torrado o dinheiro da venda da CEDAE contratando 25 mil pessoas pela CEPERJ para trabalhar em sua campanha, com uma grande chance de condenação. Nada como criar a imagem de que está combatendo o crime, e mais ainda, entrando em combate solitário, sem o apoio do governo federal, o que ensejou uma articulação com outros governadores de extrema direita, com o claro objetivo de turbinar seu palanque eleitoral para o senado, ano que vem.
A operação foi planejada para ter exatamente o resultado que teve. As tropas dos batalhões comuns entraram na favela conduzindo os criminosos para a zona de fuga possível pela mata, onde eram aguardados pelas tropas de elite e se deu a parte mais cruenta da chacina, com execuções à queima roupa, cadáveres com tiros na nuca, com marcas de que foram algemados, até decapitações. Mas qual o motivo de tanta violência? É feio, mas é simples, o objetivo é espalhar o terror. A matança e a reação previsível, televisionada o dia inteiro, fazem parte da estratégia de manter o poder pelo medo. Um grande número de pessoas, aterrorizadas em suas casas, são levadas a crer que tem que matar sim, que é uma solução extrema e inevitável, o que transforma a violência em trunfo eleitoral. O lema do “bandido bom é bandido morto” elegeu uma bancada enorme em todas as nossas casas legislativas, e é provável que tenha sido decisivo na eleição para diversos cargos executivos no Brasil.
O populismo penal não é jabuticaba, Rodrigo Duterte (hoje preso por crimes contra a humanidade), chegou ao poder nas Filipinas, e manteve altos índices de popularidade, com o abuso da violência policial. Grande parte do sucesso eleitoral de Trump foi baseado na promessa de espaldeirar pobres e imigrantes. Quando acabou a Guerra Fria, para justificar a manutenção de gastos militares astronômicos, Bush iniciou uma “guerra às drogas”. E aí entra o detalhe na coletiva de Castro durante a operação, o lançamento do conceito de narcoterrorismo, que vem sendo repetido à exaustão pelos comandantes das polícias do Rio, foi adotado imediatamente pela extrema direita em bloco, e que parece ir além da tentativa de aterrorizar os eleitores brasileiros. Por que o Governo do Rio de Janeiro enviou para o governo dos EUA, sem ter sido solicitado, um relatório das supostas atividades do CV no país? Por que a insistência em apresentar o crime comum como terrorismo político, acoplado constantemente a tentativa de ligar as forças progressistas ao crime?
O fascismo tupiniquim, derrotado fragorosamente em sua tentativa de quartelada, parece se agarrar com unhas e dentes à única alternativa que os restou, procurar transformar o Brasil em uma Venezuela. Ao comentar a “exitosa” operação de seu correligionário, Flávio Bolsonaro sugeriu que Trump mandasse bombardear barcos na Baía de Guanabara, como está fazendo no Mar do Caribe. Desesperados pelo fracasso de seu golpe e pela aproximação de sua punição, em uma tentativa extrema , buscam apoio em seus aliados externos. Como pintinhos indefesos procuram abrigo sob as asas do Tio Sam, sem se dar conta de que águias costumam devorar franguinhos perdidos, como Eduardo Bolsonaro, por exemplo. Talvez falcões mais empedernidos, como Marco Rúbio, gostem da ideia, mas Trump é um homem de negócios sagaz, que não vai entrar nessa canoa furada. O mundo reagiu com horror ao massacre, a imprensa mundial parece bastante bem-informada do que aconteceu aqui, e a óbvia tentativa de explorar politicamente a operação policial foi amplamente exposta.
Se o governador tivesse ficado quietinho, iria encarar o tribunal, depois de amanhã, com uma imagem bem menos arranhada, sua ação desesperada o colocou na berlinda, e estão sendo divulgados alguns detalhes, bastante incômodos para ele, que talvez passassem despercebidos pelo público em geral. A viralização de uma sequência de fotos de Castro abraçado com o deputado PH das Jóias, preso como um dos principais fornecedores de armas do CV, está pegando muito mal, especialmente entre a torcida do Flamengo, que não merecia ver esses personagens emporcalhando o seu manto sagrado. Ainda temos o rumuroso caso em que Castro pediu para serem liberadas as atividades da REFIT (antiga Refinaria de Manguinhos), o que conseguiu com um desembargador amigo, em um plantão judiciário. Felizmente o TJ revogou a medida, que beneficiava a empresa acusada de lavar dinheiro para o PCC.
A tentativa de explorar a operação como arma política contra o governo federal também falhou. A pronta resposta do Ministro da Justiça, esclarecendo os fatos que Castro tentou usar para envolver Lula em sua patuscada foi eficaz. Lewandowiski colocou a impostura de Castro a nu, com a elegância que lhe é peculiar, definindo a carnificina de Castro como cruenta. A sóbria e inteligente postura adotada pelo presidente, de não explorar cadáveres politicamente, conjurou de vez mais essa canhestra tentativa do fascismo de desestabilizar o país. Castro reuniu em sua defesa os governadores da extrema direita, que ironicamente nomearam sua articulação de “consórcio da paz”, a paz dos cemitérios certamente. Essa capitania não vai prosperar, e ainda é capaz de ajudar o governo a cobrar deles o motivo de torpedearem o PEC da segurança pública.
Afinal, se estão tão preocupados com a falta de apoio da União a área de segurança, por que são contra uma legislação que institucionaliza a coordenação e cooperação entre as polícias? A politicagem por trás da iniciativa vai ficar bem clara. O que tem Tarcísio de Freitas para oferecer ao Rio, por exemplo? Será que vai mandar a tropa do Cel. Derrite que matou 82 pessoas na Baixada Santista para ajudar no próximo massacre? Como abutres que dependem de cadáveres para viver, o objetivo dessa macabra associação é explorar ao máximo, com fins eleitorais, a histeria provocada pelo terror e o ódio que espalham.
Porém, o barquinho dessa gente faz cada vez mais água, é como se estivessem em areia movediça, a cada movimento que fazem se afundam mais. Além das sérias complicações com a justiça em que estão se metendo, se continuar nessa toada, vão amargar uma derrota eleitoral acachapante ano que vem. Lula nada de braçada para a reeleição, e duvido que consigam repetir a votação dos últimos anos, até aqui no Rio, a terra das milícias e do bolsonarismo, na última pesquisa eleitoral para governador divulgada, o deputado Glauber Braga do PSOL (o terror do MBL) figura em segundo lugar, sem se quer ter lançado sua campanha.
Dói no meu coração, quase tanto quanto as imagens do resultado do morticínio, ler os comentários de pessoas horríveis, que comemoram as mortes e pedem mais violência. Essa visão não pode triunfar, seria a vitória da barbárie sobre a civilização. Precisamos buscar em nossos corações os sentimentos mais elevados para responder e derrotar essas forças perversas, fazê-lo com firmeza e altivez, sem macular nossa aura pelo uso dos mesmos métodos que os inimigos da nossa pátria. A chama da razão há de iluminar os verdadeiros homens de boa vontade e apontar o caminho para estancar essa escalada do fascismo no Brasil. Serão derrotados, não pela força bruta que é o campo onde vicejam, mas pelo poder de nossos argumentos e a generosidade de nossas propostas para a sociedade. Ao que parece eles estão sentindo isso.
*Eduardo Papa - Colunista, professor, jornalista e artista plástico (www.mosaicosdeeduardopapa.com)




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