'Envelhecer na comunidade LGBTQIAPN+ é um peso muito grande', diz criador de Vera Ronzella
Drag 50+ é sucesso na vida paulistana e foi criada pelo ator Alexandre Santucci para conscientizar a sociedade sobre o direito ao envelhecimento
Quase uma Marilyn Monroe, a drag Vera Ronzella vai além da lacração nos eventos. Sua proposta, segundo seu criador, o ator Alexandre Santucci, é dar visibilidade para aqueles que envelheceram e acabam ficando à margem. Nessa entrevista, ele fala do trabalho para a mudança dessa realidade, a fim de garantir às próximas gerações uma vida mais justa.
PIMENTA ROSA - Você toca em questões importantes ao público LGBTQIAPN+. A Vera Ronzella é 50+. Qual a tua percepção sobre o etarismo na comunidade?
Alexandre Santucci - Envelhecer me preocupa, não em ficar velho, mas em onde, como e com quem. A sociedade sempre teve esse problema em esquecer e por de lado a velhice, agora imagina isso sendo uma pessoa lgbt. A maioria das casas que acolhem são gerenciadas por igrejas, o que acaba não aceitando pessoas da comunidade. Então, com a Vera, venho fazendo um trabalho de conscientização, de inclusão com o público 50+ lgbt, para que amanhã possamos ter um mínimo de segurança e estabilidade. Dentro da comunidade gay envelhecer é um peso muito grande, se você não for o 'velho da lancha' ou alguém conhecido, você é literalmente deixado de lado. Então, é importante formar seu grupo de amigos e ter uma estabilidade financeira boa para que no futuro você não fique só.
PIMENTA ROSA - Como conscientizar a sociedade para os desafios diários da comunidade, como a falta de acolhimento, inclusive da própria comunidade para seus idosos?
Alexandre Santucci - Tem sido um trabalho bem difícil, mas quando começamos a ver algumas iniciativas e alguns grupos trabalhando para que essa situação diminua e a gente abrace mais todos os membros da nossa comunidade é muito mágico. Existem hoje algumas ONGs incríveis fazendo muitas palestras e criando ações de inclusão. Aqui em São Paulo existe uma ONG chamada 'Eternamente SOU', que acolhe e orienta pessoas LGBTs 50+ com vários programas. Um programa que gosto muito, é o de empregabilidade, onde ela cria uma ponte com empresas para a contratação de pessoas 50+ lgbts, trazendo de volta ao mercado essas pessoas, para que elas possam se sentir ativas de novo, possam voltar a gerar seu próprio sustento e assim conseguir ter uma velhice digna.
PIMENTA ROSA - A Parada, muito importante para dar visibilidade às questões políticas e sociais, precisa ser vista como mais que uma festa. Como conscientizar a sociedade sobre isso?
Alexandre Santucci - Esse é um grande dilema que eu vejo. Infelizmente muita gente vai para a parada só pela curtição, pegação, música, e não tem noção qual o tema do ano, quais assuntos estão sendo discutidos. Como comunidade precisamos nos unir mais, por que nossos poucos direitos adquiridos podem ser tirados e sim precisamos estar mais atentos a política. Por outro lado essa curtição, pegação que a galera faz durante o dia da parada também é muito importante, também é um ato político, vou usar de exemplo a Parada de São Paulo (uma das maiores do mundo), você dançando, cantando e beijando seu parceiro(a) em meio a Avenida Paulista enquanto está sendo televisionado para todo Brasil e para o mundo é um movimento de luta e liberdade.
PIMENTA ROSA - A política mudou e chegaram novas perspectivas. Mas há o que comemorar?
Alexandre Santucci - Sim, precisamos comemorar cada conquista, cada luta vencida. Acho que isso nos dá mais força, como uma gasolina, para conseguirmos continuar lutando, para termos igualdade. O que não podemos é comemorar e sentar, achando que com o direito adquirido estamos seguros. A luta é diária para que o pouco conquistado continue valendo e para continuar conquistando o que merecemos, não estou falando em conquistar para sermos mais e melhor, não! Estou falando em direitos igualitários, dignidade e segurança.
PIMENTA ROSA - Quais são os caminhos da comunidade, na sua visão?
Alexandre Santucci - Acho que estamos caminhando sim para conseguirmos cada vez mais ocupar nossos lugares. Mesmo contra muitas cabeças retrógadas que aparecem no caminho, sempre lutamos e sempre vamos lutar. Ver hoje uma mulher trans ocupar um cargo importante na política, como a Érika Hilton, me faz acreditar que estamos nesse caminho certo, mas precisamos nos unir, todas as letras do LGBTQIAPN+, precisam estar unidas, assim vamos caminhar com mais força.
PIMENTA ROSA - Esse é um ano eleitoral. Você acredita que os partidos políticos estão preparados para dar espaço a pessoas que tenham propostas concretas de mudança?
Alexandre Santucci - Acredito que poucos estejam, mas que estamos ao poucos mostrando a importância da representatividade necessária em todos os lugares. Então, quando eu vejo um partido que tenha candidatos diversos, com propostas coerentes de igualdade, de inclusão, eu fico atento e busco pesquisar mais sobre eles. Sim, hoje temos algumas pessoas, poucas ainda, mas temos pessoas trazendo propostas concretas de mudança.
PIMENTA ROSA - Como foi a construção da Vera Ronzella?
Alexandre Santucci - Quando comecei a me montar, há um pouco mais de 10 anos, minha drag não tinha nada do que é a Vera hoje. Seguia uma linha do que estava na moda. Sempre fui do teatro então fazer construção de personagem sempre foi algo que gostei.Quando vi que minha primeira drag não expressa muito minhas referências, meus gostos, precisei resetar e criar algo com mais 'conteúdo'. Foi ai que veio a Vera. Sempre admirei mulheres mais velhas, que demonstram sabedoria e principalmente força por terem passado por muitas coisas pesadas para sobreviver em uma sociedade machista. Além de ser uma grande homenagem a minha avó materna, Helena Ronzella, Vera traz grandes divas como referência como Hebe Camargo, Dercy Gonçalves, Bibi Ferreira entre outras.
PIMENTA ROSA - Como é ser uma drag no Brasil?
Alexandre Santucci - Acredito que hoje as oportunidades têm crescido muito, afinal Drag se tornou um boom, graças ao sucesso de um reality norte-americano. Mas, mesmo assim, ainda está longe de chegar a grandes oportunidades e cachês justos. Infelizmente ainda se precisa educar não só os contratantes, mas o público, que está acostumando a gostar de reality, gente famosa e não gostar da arte drag. Mas tenho esse sonho utópico que estamos caminhando para um lugar melhor, temos hoje drag queens em todos os tipos de mídia, festas e eventos voltados para drag. Então estamos vendo uma crescente para a arte drag.
PIMENTA ROSA - E como é aceitação da tua família?
Alexandre Santucci - Como sempre fui do teatro, o lance de me vestir de personagens masculinos e femininos nunca foi um problema em casa. E como a Vera vinha de uma brincadeira de imitar minha avó, ela foi bem aceita. Até hoje, sempre pedem para eu me montar nas festas de família.
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