Morte do ativista trans Popó Vaz alerta para a necessidade de se cuidar da saúde mental
O advogado e especialista em direitos LGBTQIA+, William Callegaro, fez um artigo sobre os cuidados necessários para se evitar a depressão e outros problemas que levem a atitudes extremas
Popó Vaz não é um caso isolado: a saúde mental de pessoas LGBT+ precisa ser cuidada
*William Callegaro
Na madrugada do dia 15 de março, Pedro Vaz, com 36 anos, nos deixou precocemente. Popó Vaz, apelido como preferia ser chamado, era um homem trans, gay, policial, ativista e tantas outras coisas, e de um dia para o outro sua vida foi tomada. Pessoas LGBT+, durante toda sua jornada, lutam pelo simples direito de viver, de poder amar, ter respeito e se sentir seguro, enquanto apenas tentam sobreviver à toda violência e opressão que passam diariamente. Tão importante quanto falar sobre saúde física, é discutir a saúde mental. A depressão e a ansiedade são doenças que precisam de tratamento, especialmente entre os LGBT+.
Numa sociedade que sempre agrediu – fisicamente e mentalmente –, Popó não é só mais um caso isolado no Brasil. Na verdade, esse é o país que mais mata pessoas transsexuais no mundo. Em 2021, foram 140 pessoas trans assassinadas e a cada um que se vai, é uma ferida que se abre. O peso de ver um dos seus morrendo só faz ficar latente os sentimentos gerados pelo medo, o não acolhimento familiar, o bullying escolar e pela rejeição social.
Crianças e adolescentes LGBT+ são um dos principais alvos para as doenças mentais. Dentro da estrutura familiar, revelar sua identidade de gênero ou sua sexualidade pode sequenciar uma série de micro violências diárias, gerando uma não aceitação dentro de casa. A família, que é considerada base de acolhimento e afeto da nossa infância, pode ser um dos ambientes mais destrutivos para a estima e segurança psicológica.
Da mesma forma, as escolas também podem ser ambientes nocivos à saúde mental. De acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos, a LGBTfobia é a terceira maior causa para bullying, sendo a violência psicológica uma das principais denúncias. A Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional do Brasil apontou que 73% dos/das estudantes LGBT+ já relataram terem sido agredidos verbalmente e outros 36% fisicamente. A intolerância e a descriminação levaram 58,9% das/os alunas/os a sofrem agressão verbal constantemente, faltando às aulas pelo menos uma vez ao mês.
Além disso, a rejeição social também é um dos pilares para a exclusão de pessoas LGBT+. Atualmente, as redes sociais se tornaram um espaço digital onde a comunidade sofre com ataques, perseguições, ameaças e violências verbais. Por exemplo, o próprio Popó foi alvo constante de comentários transfóbicos e homofóbicos quando aparecia junto com seu parceiro, Pedro HMC. Quando expandimos isso, percebemos que a toxidade das redes sociais podem sim piorar casos de depressão e ansiedade, como aconteceu na pandemia.
De acordo com estudo do coletivo #VoteLGBT, em parceria com o escritório Box1824, 55% das pessoas LGBT+ que responderam à pesquisa afirmam que a sua saúde mental piorou durante a pandemia. Enquanto, também 55% foram diagnosticados com depressão no nível mais severo. No ano passado, o menino de apenas 16 anos, Lucas Santos, cometeu suicídio após uma série de ataques homofóbicos que sofreu na internet. O filho da cantora de forró Walkyria Santos postou apenas um vídeo brincando com seu amigo e, a partir disso, foi perseguido pelo ódio dentro das redes.
Hoje, pessoas LGBT+ têm seis vezes mais chance de cometer suicídio, segundo a revista científica americana Pediatrics. Também é evidenciado que quando convivem em ambientes violentos à sua orientação sexual ou identidade de gênero correm risco 20% maior de tirar a própria vida. Então, volto a reforçar, Popó Vaz não é um caso isolado.
Diante de todos esses dados, por que a saúde mental da comunidade LGBT+ é ignorada? Sabemos que serviços de saúde pública, como o SUS, conseguem atuar no atendimento psicológico, mas não dão conta da demanda; então, como tratar pessoas LGBT+ de uma forma acessível, democrática e, principalmente, humana? A necessidade de políticas públicas para essa temática pode ser uma das soluções, possibilitando que locais de apoio sejam oferecidos. Mas enquanto isso ainda não é uma realidade, as pessoas da comunidade são a sua própria fortaleza, o lugar em que recebem acolhimento e podem ser amadas do jeito que elas são.
*Advogado e especialista em direitos LGBT+. Atualmente é Coordenador Jurídico e Coordenador Administrativo Adjunto Estadual da Aliança Nacional LGBTI em São Paulo. É também presidente do segmento LGBT Socialista do estado de São Paulo.
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