‘O Brasil precisa reverter séculos de políticas estruturais machistas, racistas e LGBTfóbicas'
Em entrevista exclusiva ao PIMENTA ROSA, o senador Fabiano Contarato fala sobre xenofobia e a importância do parlamento na luta contra a intolerância sexual

Considerado um dos parlamentares que mais se destacou na CPI da Covid, o senador Fabiano Contarato (PT/ES), homossexual assumido, foi alvo de agressões homofóbicas, revelando o quão grande é o preconceito da sociedade brasileira. Em entrevista exclusiva, o professor, palestrante, ativista humanitário, delegado da Polícia Civil do Espírito Santo desde 1992, casado há 10 anos e pai de dois filhos, fala sobre xenofobia, a importância do parlamento na luta contra a intolerância sexual, dos discursos do presidente Jair Bolsonaro, que ‘encorajam os piores sentimentos e ações’ na sociedade, agravando mais ainda o quadro de violência contra pessoas LGBTQIA+.
Para o senador é fundamental o investimento em políticas de segurança pública ‘que aprimorem a formação de agentes de segurança pública com objetivo de capacitá-los não só para receber e acolher vítimas de LGBTfobia, mas também para investigar estes crimes’. Segundo Contarato, mesmo o Congresso Nacional tendo sido iluminado pelas cores da bandeira LGBT no dia do Orgulho, ‘ainda falta muito para que estas cores, e a luta que representam, penetrem nos corredores da Câmara dos Deputados e do Senado Federal’.
Veja a íntegra da entrevista:
Pimenta Rosa - Vivemos em um país excludente, onde o que é considerado diferente não é aceito. Como o senhor encara essa realidade?
Senador Fabiano Contarato - O preconceito afeta todos nós de formas diferentes. Tenho a sorte de ter uma família que me apoia e me encoraja a enfrentá-lo. Conto também com apoio institucional – no meu caso do Senado Federal e do partido a que pertenço – para lutar pela comunidade LGBTQIA+. Sei, no entanto, que esta é uma realidade privilegiada de poucos e poucas. Isso aumenta ainda mais minha responsabilidade para atuar diariamente contra toda forma de preconceito e discriminação.
Pimenta Rosa - Qual a importância do parlamento na luta pelos direitos da população LGBTQIA+?
Senador Fabiano Contarato - O parlamento é composto por representantes eleitos pelo povo, inclusive pela população LGBTQIA+, que compõe 10% do povo brasileiro. Até hoje, infelizmente, o Congresso Nacional tem sido omisso com relação à sua missão constitucional de garantir todas as formas de diversidade. É por isso que todos os direitos da população LGBTQIA+ são, hoje, garantidos a partir de decisões do Judiciário. O parlamento deve positivar estas decisões no ordenamento pátrio para garantir e expandir estes direitos.

Pimenta Rosa - Para o senhor, o discurso homofóbico do presidente Jair Bolsonaro incentivou ainda mais a perseguição aos LGBTQIA+?
Senador Fabiano Contarato -Sem dúvida. O comportamento do presidente, se ele não ocupasse este cargo, já seria, em si, altamente reprovável. Ocupando o cargo mais alto da República, suas condutas se reverberam pela sociedade e encorajam os piores sentimentos e ações. Agravam um quadro já preocupante: o Brasil é o país que mais mata LGBTQIA+. Por isso precisamos nos posicionar publicamente sempre que possível para mostrar o quão inaceitável é este discurso.
Pimenta Rosa - O Brasil é um país onde mais se mata principalmente gays e transexuais, há vários anos. A onda bolsonarista recrudesceu essa prática. O que fazer para diminuir esses crimes?
Senador Fabiano Contarato -Há, ainda, um agravante: o Brasil é um dos países mais perigosos para LGBTQIA+ mesmo com altos índices de subnotificação de crimes motivados pela homofobia e pela transfobia. Ou seja, a realidade é ainda mais grave do que o retrato parcial que temos a partir de levantamentos conduzidos por organizações importantes como o Grupo Gay da Bahia e Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Precisamos investir em políticas de segurança pública que aprimorem a formação de agentes de segurança pública com objetivo de capacitá-los não só para receber e acolher vítimas de LGBTfobia, mas também para investigar estes crimes. Cabe também ao Ministério Público e ao Judiciário combater a impunidade neste tipo de criminalidade.
Pimenta Rosa - O senhor acredita que os números da violência contra a comunidade LGBTQIA+ refletem uma sociedade formada na base da “Casa Grande e Senzala”? Em termos de direitos humanos, é possível dizer que há uma tentativa de se voltar a uma política social do século X, em pleno século XXI?
Senador Fabiano Contarato - Esses números refletem uma sociedade que é marcada pelo preconceito sistêmico não só contra LGBTQIA+, mas também contra mulheres, negros, idosos, indígenas, pessoas com deficiência. Esse preconceito é fruto de uma longa história de discriminação que tem graves consequências: aumenta a desigualdade, atrasa o desenvolvimento nacional e prejudica o progresso.

Pimenta Rosa - Que iniciativas podemos ter para reverter essa situação homofóbica da sociedade brasileira, em especial?
Senador Fabiano Contarato - Não existe uma solução rápida ou imediata para acabar com este ou qualquer outro tipo de preconceito. São necessárias políticas estruturadas nas áreas da educação, saúde, economia e segurança. O Brasil precisa começar a reverter séculos de políticas estruturais machistas, racistas e LGBTfóbicas.
Pimenta Rosa - Fale-nos sobre os três projetos que o senhor apresentou para reverter essa situação homofóbica?
Senador Fabiano Contarato - Apresentei um projeto que garante, de forma gratuita, a pessoas trans o direito à retificação de seu prenome e gênero nos assentos de nascimento e casamento, a ser realizada no Registro Civil, a partir unicamente da declaração de vontade da parte requerente. Outra das minhas proposições muda a Lei de Execução Penal para garantir direitos a pessoas transexuais e travestis no cumprimento de pena em estabelecimentos prisionais. A elas serão garantidos atendimentos médico, farmacêutico e psicossocial correspondentes às suas necessidades, em observância aos parâmetros da Política Nacional de Saúde Integral LGBT, incluindo direito ao tratamento hormonal e acompanhamento de saúde específico. Acompanha esta proposta, um projeto de lei complementar que destina recursos do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) para o desenvolvimento de ações destinadas a combater o preconceito e a discriminação motivados por orientação sexual e identidade de gênero.
Pimenta Rosa - No Congresso, como é a receptividade para projetos voltados para o combate à discriminação e o acolhimento à causa LGBTQIA+?
Senador Fabiano Contarato - O fato de que o Congresso Nacional nunca aprovou um projeto voltado para a comunidade LGBTQIA+ diz tudo que você precisa saber sobre esta receptividade. Há um conservadorismo arraigado e focos poderosos e organizados de resistência a qualquer proposta que expanda direitos de pessoas LGBTQIA+. Enquanto isso, não são raras as iniciativas que pretendem restringi-los, por isso precisamos ficar vigilantes contra qualquer tipo de retrocesso. Apesar de o Congresso Nacional ter sido iluminado pelas cores da bandeira LGBT no dia do Orgulho em 2020 e 2021, ainda falta muito para que estas cores, e a luta que representam, penetrem nos corredores da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Pimenta Rosa - Vendemos uma imagem de país plural e diverso. O senhor tem essa visão do Brasil?
Senador Fabiano Contarato - Tenho a visão de um Brasil com imenso potencial, mas ainda longe de realizá-lo para todos e todas. A diversidade é a grande força do povo brasileiro, junto com a sua criatividade e resiliência. Precisamos parar de vender esta imagem e começar a construir, com políticas públicas e ações concretas, o país plural e diverso para todos e todas que queremos ser.

Pimenta Rosa - Existem dois Brasis? A cidade que organiza a maior parada do Orgulho do mundo é a mesma onde policiais quebram o cassetete em uma trans que passava próximo à cracolândia, no Centro da cidade. O país é LGBT apenas em junho?
Senador Fabiano Contarato - Esse é só mais um retrato da desigualdade profunda do Brasil. O país que tem uma das maiores populações afrodescendentes é também o país onde os fiéis de religiões de origem africana mais sofrem com a intolerância religiosa. Enquanto existem nichos de aceitação, especialmente nas grandes metrópoles, e momentos de acolhimento à diversidade, como o mês do Orgulho LGBT, ainda falta muito para que estes sentimentos alcancem todo o país e firmem raízes para expurgar de uma vez por todas a homofobia e transfobia.
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