TRAIÇÃO
- Eduardo Papa*

- 24 de ago.
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Ilustração de Felipe Mendes - @ocoletordehistorias
*Eduardo Papa
Um dos comportamentos mais reprováveis atribuídos aos seres humanos, em qualquer tempo, em qualquer sociedade, é a traição. Todas as culturas, desde as mais primitivas até as mais modernas e complexas, punem com rigor e submetem à execração moral os traidores. Conduta igualmente reprovável tanto no plano social e coletivo, quanto no âmbito pessoal e familiar, a traição corrói relações interpessoais, esgarça o tecido social e condena seu agente a um estigma pavoroso. Não importa o modus operandi da vilania, seja a violenta facada de Brutus em Júlio César, ou o beijo denunciador de Judas em Jesus Cristo, a traição produz sempre o mesmo efeito, de repulsa e indignação. Na mitologia cristã, a imagem do inferno foi consubstanciada na obra magistral de Dante Alighieri – A Divina Comédia. Na visão do poeta, é no mais profundo círculo do Inferno que são punidos os traidores, sujeitos às penas mais rigorosas dentre as impostas a todos os pecadores. Os traidores dos parentes, a seguir os traidores da pátria, os traidores de seus hóspedes e finalmente os traidores de seus benfeitores, sujeitos a serem mastigados, eternamente, pelo próprio Lúcifer em sua forma bestial.
Nosso Brasil está sob ataque da maior potência econômica e militar do mundo, que, de maneira traiçoeira, inventou mentiras sobre nossa relação comercial e aplicou tarifas de importação escorchantes sobre alguns de nossos principais produtos de exportação, além de sanções contra autoridades de nosso judiciário e executivo, com o objetivo de humilhar nossa nação e reduzir o Brasil a uma condição colonial. A ofensiva dos EUA contra o Brasil faz parte de uma conjuntura global, em que o Império Estadunidense, em seus espasmos de decadência, reage com virulência, exigindo mais e mais de seus vassalos. O ataque é para todo lado, mas nós estamos mais vulneráveis, afinal, fazemos parte do “quintal”. Enquanto Putin humilhou Trump no Alaska e Xi Jinping nem atende telefonema dele, Lula corta um dobrado para conseguir manter uma postura de altivez em defesa da nossa soberania, pois aqui a quinta coluna, dos poodles do Tio Sam, é poderosa. E o cúmulo do absurdo é a esquizofrenia ou venalidade dessa gente que apresenta a sua traição travestida em patriotismo.
É bem verdade que o limiar entre a traição e o patriotismo na historiografia brasileira é fluido e obscuro. Domingos Calabar, por exemplo, é descrito como o primeiro grande traidor da pátria brasileira, por ter servido aos Holandeses da Cia. das Índias Ocidentais. Total absurdo! No tempo de Calabar, brasileiro era quem negociava com Pau Brasil, se algum sentimento nativista existia era de cunho regional (baiano, pernambucano, etc.). Nem mesmo a monarquia lusitana teria sido traída por Calabar, de vez que a colônia era então posse de Felipe II Rei da Espanha. Outro listado como grande traidor do Brasil é o Joaquim Silvério dos Reis, um X9 de quinta categoria, que dedurou uma conspiração de sonegadores de impostos, que nada tinha a ver com independência ou abolição da escravidão, e que teve a relevância inflada somente no início da república. Enquanto isso, traidores de verdade como os militares e políticos responsáveis pelo golpe de 1964, que sepultou o projeto desenvolvementista brasileiro, entregando nossa economia aos EUA, são homenageados com monumentos e emprestando o nome a instituições públicas, para nossa vergonha.
Nos anais da “gloriosa” de 1964, consta uma frase do conhecido “entreguista” Juracy Magalhães, que passou a simbolizar a submissão canina ao poderoso irmão do norte: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Resgatado dos anos 60, junto com o AI-5, pelos “patriotários”, o lema ganhou atualidade no discurso dos governadores do MAGA (Tarcísio, Zema, Ratinho e Caiado), descritos por Carlos Bolsonaro como ratos. Uma definição muito apropriada para quem disputa nos esgotos a oportunidade de servir-se dos restos deixados por uma próxima rapinagem ianque do nosso país. Máquinas políticas poderosas canalizam vultosas verbas partidárias e de gabinetes parlamentares (dinheiro público), para financiar e divulgar manifestações golpistas, em que ostentam cartazes (em inglês), que atacam o nosso país e nossas instituições, defendendo interesses econômicos de estrangeiros contra nossa pátria. Um esculacho! E o triste é que ainda levam milhares de apoiadores às ruas, e pesquisas de opinião demonstram ser grande a desinformação do público sobre o assunto.
Há um grande jogo em andamento no tabuleiro da geopolítica mundial, a plutocracia ancorada nas empresas de tecnologia do Vale do Silício, no sistema financeiro controlado por Wall Street e pelo complexo industrial militar dos EUA, está perdendo o controle da economia mundial, e não está aceitando bem o fato. O eixo dinâmico de desenvolvimento está se deslocando do Atlântico Norte para a Ásia, em um processo irreversível. Processo que é acompanhado pela mudança dos centros de tomada de decisões, em que os EUA estão apanhando feio. Não apenas na Ásia, em que a aliança entre a Rússia e a China tem ampla hegemonia, e até mesmo parceiros tradicionais do ocidente como Índia, Japão e Coréia do Sul sinalizam diferenças com o ocidente. Na Europa a OTAN está amargando uma derrota militar acachapante na Ucrânia e a economia da zona do euro parece condenada a uma estagnação de longo prazo. No Oriente Médio, após meio século tentando, os EUA não conseguiram derrotar o regime dos aiatolás no Irã, estão perdendo a fidelidade dos países árabes, e seu “porta-aviões” terrestre na região (Israel) está fazendo água. Na África, a rejeição ao colonialismo vem resultando em um crescente afastamento do ocidente e a diminuição de influência dos EUA.
A vida não está fácil para o imperialismo ianque, estão tendo que comemorar eleição na Bolívia, Revolução Colorida em Angola e vitória do Azerbaijão sobre a Armênia. Nesse quadro, a América Latina passa a ser uma área vital, como última reserva de expansão econômica e exploração de recursos naturais, e o Brasil torna-se decisivo, um espaço crucial para a definição da nova ordem mundial multipolar. Justo aqui, onde Steve Bannon comandou o principal laboratório de manipulação em massa, vai ser travada a batalha decisiva da Terceira Guerra Mundial, que, para desespero dos senhores de guerra do mundo, não vai ser decidida com mísseis ou drones, mas vencida ou perdida nos corações e mentes do povo mais miscigenado, plural e imprevisível do planeta.
Uma batalha de titãs, em que forças poderosas, dispondo de recursos e tecnologias de ponta, vão tentar dominar o inconsciente coletivo de um povo. Vão ser os algoritmos contra Exu e Tupã. A ação calculada pela inteligência artificial tentando dirigir a ação de toda a gente brasileira. Vamos ver como vai ser, ouvi dizer que podem tirar o Brasil do ar, mas quem teve que bloquear as redes sociais no dia do anúncio das tarifas aos produtos brasileiros foi a Casa Branca, após um robusto “vampetaço” de internautas brasileiros. Não temos a força bruta, nossos milicos, além de incapazes, não são confiáveis, mas o poder da cultura brasileira é avassalador. Esses traíras que aguardem o carnaval de 2026! É aí que nosso povo trava suas batalhas e mostra o seu valor. José Aparecido de Oliveira, contava que, no tempo em que políticos discursavam em coretos e palanques para conquistar votos, em um comício da campanha da UDN para presidente, no interior de Minas Gerais, Eduardo Gomes caprichava no discurso de aterrorizar o povo com o fantasma do comunismo, quando da assistência uma voz poderosa tranquiliza o brigadeiro: “Não se preocupe Doutor, se esse tal de comunismo chegar aqui, em um instante a gente avacalha com ele.” Eis a arma com que a história dotou nosso povo, que destrói seus algozes pelo sarcasmo e a picardia, detendo hoje a liderança mundial incontestável na produção de memes na internet.
Se o leitor observar bem, a fúria militante da horda bolsonarista diminuiu muito, fora os casos quase patológicos, como daquele “tiozão do pavê” que ninguém aguenta mais, as vivandeiras de quartel calaram o bico. Pesquisas de opinião indicam que continuam entre nós, mas amargam seu fracasso e instilam sua bile em suas bolhas, silenciados pelo vexame a que foram publicamente expostos pela mediocridade de suas concepções, que levou a derrota fragorosa de seu discurso na sociedade. Quem hoje ainda anda por aí falando em ditadura militar para garantir liberdade de expressão, está cada vez mais exposto ao escárnio e provocar gargalhadas, sofrem em silêncio cobertos pelo manto da vergonha, mas a quinta coluna está, e estará sempre, de tocaia na curva, esperando a oportunidade para dar o bote.
Os próximos anos serão, sem dúvida, decisivos, a luta que vem pela frente é duríssima, mas eu estou otimista, e mesmo não sendo muito versado no assunto, vou usar da licença que me é concedida pela nacionalidade, para fazer uma metáfora com o futebol. Arranjem outro time para jogar com a nossa linha! Enquanto Xandão jogar de zagueiro, espanando qualquer ameaça na defesa, Flávio Dino distribuir o jogo no meio campo, com a eficiência e a fina categoria que o caracterizam, e no comando do ataque estiver o goleador mortal, Lula da Silva, seremos campeões e a extrema direita vai cair para a segunda divisão. O Trump não apenas borra as calças, mas também só faz merda na política, vai ser escorraçado pelo seu próprio povo, e está arruinando com a liderança mundial dos EUA. Uma parte especialmente cruel para a alma do bolsonarista, é, no processo de recalcar seu ódio em ressentimento, ter que assistir ao desempenho destacado de Lula como líder mundial respeitado, que recebe telefonema de Putin, que fala com Xi Jinping, Macron, Nerendra Modi, e qualquer outro líder mundial, em pé de igualdade, que exige o respeito de todos à nossa soberania, e comparar com o ridículo que seu mito passava no exterior, conversando sobre futebol com garçons e comendo pizza na calçada, totalmente desprezado pelos outros presidentes e ridicularizado pela mídia internacional.
Não tenho bola de cristal para prever com certeza o fim da peleja, mas eu fico tranquilo ao lembrar que o filho 03 de Bolsonaro, que é candidato nos EUA a virar uma espécie de Juan Guaidó tupiniquim, é incapaz de produzir um grande estrago. Afinal, como o coitado quer fornicar um país de 200 milhões de habitantes, se carrega a curiosa alcunha de bananinha devido a uma suposta hipossuficiência do dote peniano?
*Eduardo Papa - Colunista, professor, jornalista e artista plástico (www.mosaicosdeeduardopapa.com)




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