Você sabe o que significa a sigla LGBTQIAPN+?
- Ronaldo Piber
- 5 de jun.
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Por Ronaldo Piber*

Vivemos uma época de transformações profundas nas formas de viver, amar e existir. Em meio a esse movimento, emerge a necessidade de compreender, respeitar e proteger juridicamente as múltiplas identidades e orientações sexuais que compõem a diversidade humana. É nesse contexto que ganha centralidade a sigla LGBTQIAPN+, que, embora extensa para alguns, carrega em cada letra a história de lutas, exclusões e, sobretudo, resistências.
A linguagem importa. Ela molda comportamentos, direciona políticas públicas e influencia decisões jurídicas. Nomear é dar existência, é incluir. Ignorar essas identidades é, na prática, negar a essas pessoas o acesso à cidadania plena. Como advogado, afirmo que o reconhecimento legal e social dessas identidades é essencial para a efetivação dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, como a dignidade da pessoa humana, a igualdade e a liberdade.
A seguir, explico o que representa cada letra da sigla LGBTQIAPN+, com o cuidado de contextualizar juridicamente e socialmente essas vivências.
L – Lésbicas
Mulheres que se relacionam afetiva e/ou sexualmente com outras mulheres. Frequentemente enfrentam dupla invisibilidade: por serem mulheres em uma sociedade machista e por viverem uma orientação sexual fora do padrão heteronormativo. A violência contra lésbicas assume formas específicas, como a chamada “estupro corretivo”, o que exige políticas públicas direcionadas para sua proteção.
G – Gays
Homens que sentem atração por outros homens. Apesar de maior visibilidade pública em comparação com outras letras da sigla, os gays continuam sendo alvos de violência física, discriminação institucional, rejeição familiar e exclusão no ambiente de trabalho. O reconhecimento da união estável homoafetiva e do casamento civil igualitário pelo Supremo Tribunal Federal, em 2011, foi uma das conquistas mais importantes para esse grupo.
B – Bissexuais
Pessoas que sentem atração por mais de um gênero. A bissexualidade, no entanto, ainda é alvo de muitos estigmas, como a ideia de indecisão ou promiscuidade. Esse apagamento – inclusive dentro da própria comunidade LGBTQIAPN+ – reforça a importância de campanhas educativas que validem a bissexualidade como orientação legítima e estável.
T – Transgêneros, transexuais e travestis
Pessoas cuja identidade de gênero não corresponde ao sexo atribuído ao nascer. Travestis, especificamente, representam uma identidade própria, com raízes políticas e culturais no Brasil. A população trans enfrenta altíssimos índices de exclusão social, violência letal e vulnerabilidade econômica. O Brasil figura há anos entre os países que mais matam pessoas trans no mundo. No entanto, avanços como a decisão do Supremo Tribunal Federal de permitir a retificação do nome e gênero em cartório sem necessidade de cirurgia ou decisão judicial são conquistas fundamentais.
Q – Queer
O termo queer foi originalmente usado como insulto, mas foi ressignificado por movimentos sociais para afirmar identidades de gênero e sexualidade não normativas. Abrange pessoas que não se enquadram nos padrões tradicionais, rejeitando categorizações rígidas. Queer é também uma postura política que questiona o binarismo de gênero, a heteronormatividade e o sistema patriarcal.
I – Intersexo
Pessoas que nascem com variações biológicas que não se enquadram nas definições típicas de masculino ou feminino. Durante décadas, essas pessoas foram submetidas a cirurgias corretivas não consentidas ainda na infância. A luta intersexo é pelo direito à integridade física, à autodeterminação e ao fim da imposição médica de “normalidade” genital. O Brasil ainda carece de políticas públicas específicas para essa população.
A – Assexuais, arromânticos e aliados
Assexuais são pessoas que não sentem atração sexual, ou a sentem de forma distinta da norma. Arromânticos não sentem atração romântica. Apesar de não serem minorias visíveis, suas identidades são frequentemente invalidadas. A letra “A” também pode representar aliados – pessoas heterossexuais e cisgênero que apoiam ativamente os direitos LGBTQIAPN+, reconhecendo sua responsabilidade social na luta por equidade.
P – Pansexuais
Pessoas que se sentem atraídas por outras independentemente do gênero ou identidade de gênero. A pansexualidade amplia o conceito de atração, rompendo com o binarismo e afirmando a multiplicidade da experiência humana. Ainda pouco conhecida no Brasil, é fundamental que seja incluída nas discussões sobre sexualidade e representatividade.
N – Não-bináries
Pessoas que não se identificam exclusivamente como homem ou mulher. Suas identidades podem ser fluídas, neutras ou múltiplas. Ainda não há previsão legal específica para o reconhecimento civil da identidade não-binária no Brasil, mas decisões judiciais vêm garantindo a inclusão de marcador neutro em documentos. A ausência de políticas públicas para essa população é um dos principais desafios da atualidade.
+ – Outras identidades
O sinal “+” representa todas as demais expressões de sexualidade e identidade de gênero que não estão nomeadas nas letras anteriores. É um símbolo de inclusão permanente, que reconhece que a linguagem evolui junto com a consciência social. A existência de múltiplas experiências fora da norma revela que a humanidade é diversa por natureza.
Estatísticas no Brasil: o retrato da diversidade
Apenas em 2019 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) passou a incluir, de maneira experimental, perguntas sobre orientação sexual em uma pesquisa de abrangência nacional. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) revelou que, entre a população com 18 anos ou mais:
• 94,8% se declararam heterossexuais;
• 1,2% como homossexuais;
• 0,7% como bissexuais;
• 0,1% como outra orientação sexual (incluindo pansexuais e assexuais);
• 1,1% não souberam responder;
• 2,3% preferiram não responder.
Esses dados correspondem a aproximadamente 2,9 milhões de pessoas que se identificam como homossexuais ou bissexuais no país. Entre os jovens de 18 a 29 anos, esse percentual sobe para 4,8%. Ainda assim, o Censo Demográfico de 2022 optou por não incluir perguntas sobre orientação sexual ou identidade de gênero, o que reforça a exclusão estatística dessas populações.
O não reconhecimento oficial desses dados impede a formulação de políticas públicas adequadas e dificulta o planejamento de ações afirmativas, especialmente nas áreas de saúde, educação e segurança pública.
Direito, linguagem e inclusão
Do ponto de vista jurídico, reconhecer essas identidades é um dever constitucional. A dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º da Constituição Federal, exige que todos os indivíduos sejam tratados com respeito às suas particularidades. Além disso, o princípio da igualdade, também constitucional, proíbe discriminações arbitrárias com base em orientação sexual ou identidade de gênero.
O Supremo Tribunal Federal já reconheceu diversos direitos da população LGBTQIAPN+, como o casamento igualitário, a criminalização da LGBTfobia e a retificação de registro civil para pessoas trans. No entanto, a ausência de uma legislação federal específica de proteção à diversidade sexual e de gênero deixa essas garantias à mercê de interpretações judiciais e decisões pontuais.
O Brasil precisa de uma legislação que reconheça expressamente todas essas identidades e oriente políticas públicas, inclusive com orçamento específico e metas de inclusão. É urgente garantir formação adequada para profissionais da saúde, do direito e da educação sobre a pluralidade humana.
Conclusão: cada letra é uma vida
A sigla LGBTQIAPN+ é mais do que um conjunto de letras. Ela é a síntese de vivências, dores, lutas, afetos e esperanças. Ela representa a diversidade que compõe a nossa sociedade e que exige não apenas reconhecimento simbólico, mas garantias reais de proteção, participação e pertencimento.
Como advogado e colunista do Jornal Pimenta Rosa, reitero que lutar pela efetivação dos direitos dessas populações é uma questão de justiça social. É dever de todos os setores — público e privado, jurídico e social, educacional e cultural — atuar para que o Brasil deixe de ser um país da exclusão e se torne, de fato, uma democracia plural, onde cada pessoa possa viver com liberdade, segurança e dignidade.
Não se trata de ideologia. Trata-se de vida. De cidadania. De humanidade.
*Ronaldo Piber, advogado e colunista Jornal Pimenta Rosa
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