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  • Foto do escritorPimenta Rosa

Dia Nacional da Visibilidade Trans: muito a comemorar e mais ainda a conquistar

Ativistas, políticos e artistas comentam sobre a luta e as conquistas do movimento, mas reafirmam a necessidade de se trabalhar a pauta para conquistar mais espaços



Quando travestis e transexuais como a modelo Roberta Close e atrizes como Rogéria, Nany People e Glamour Garcia aparecem em reportagens, novelas e filmes mostra bem o caminho já conquistado pela comunidade. Entretanto, para ativistas, políticos e artistas ainda há muito a ser trilhado para que, no futuro, a presença de pessoas transexuais seja algo comum no dia a dia da sociedade. A cidadania plena é a grande luta que o movimento de travestis e transexuais trava, na busca por uma sociedade mais acolhedora no futuro.


A artista plástica Rosália Surreal reiterou que a data é para ser comemorada pelo movimento, assim como deve ser um tempo para a discussão de pautas como a inclusão no mercado de trabalho e o combate à transfobia. Só em 2021 foram 140 pessoas trans mortas no Brasil, a mais nova delas com 13 anos. O Brasil continua sendo o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, segundo levantamento divulgado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) nesta sexta-feira (28/01).


'É dia de celebração sim, mas também de cobrar uma atitude mais proativa do governo na defesa da comunidade. É inadmissível que o país continue liderando o ranking de mortes e os crimes de ódio continuem ocorrendo sem punição', explicou Rosália Surreal.


A opinião é compartilhada pela ativista e estilista Andrea Brazil, coordenadora do Projeto Capacitrans, voltado para a capacitação de pessoas transexuais e ajuda para inserção no mercado de trabalho. Para ela, o movimento hoje celebra um caminho de mil léguas, que começou no primeiro passo das pioneiras.


'Temos que comemorar que os movimentos organizados lá do passado, lutaram e construíram um caminho onde hoje a nova geração está ocupando espaços de protagonismo, continuando o legado de inserção, debates, busca por Equidade, e humanização dos corpos trans em todos os lugares ... Mas ainda há muito caminho a percorrer. Principalmente precisamos combater a liderança mundial no extermínio (com requintes de crueldade à nossa população) que ainda é uma chaga aberta', frisou a estilista.


A vereadora Benny Briolly, primeira mulher trans eleita em Niterói, reafirma o momento de comemoração. Para ela, o Dia Nacional da Visibilidade Trans é um marco da histórica luta dos movimentos sociais. Ela lembra que hoje ocupam cargos no parlamento, eleitos pela população e sempre com votações expressivas, além dela, a vereadora Érika Hilton e o vereador Thammy Miranda, em São Paulo; a deputada Érica Malunguinho; entre muitos outros.


'Se formos lembrar das décadas de 60, 70 e 80, quanto sangue derramado, o sangue de pessoas trans manchou a bandeira brasileira e faz com o Brasil hoje seja o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Essa é uma realidade muito difícil, que tem um marco de dor, de luta e de sangue, mas, ao mesmo tempo, traz os movimentos sociais à tona por uma luta muito forte de empoderamento e outras questões que são cruciais na luta das pessoas trans', pontuou a vereadora.


Benny Briolly disse que ainda há muito retrocesso, ainda há muito trabalho a ser feito. O fato de serem protagonistas de uma história que está sendo construída no dia a dia é uma forma de fazer com que o Brasil seja um lugar de inclusão para pessoas travestis e transexuais.


'Quando falamos de inclusão, falamos de cidadania, de garantia e direitos adquiridos que precisa acontecer para que a cidadania das pessoas trans possa acontecer de forma plena. Nesse dia queremos demarcar que existem corpos de luta como o nosso que estão reafirmando que é possível sim uma outra narrativa de sociedade onde as pessoas trans estejam inclusas. Que é possível construir um projeto de novo mundo', concluiu Benny Briolly.


A linha do tempo do movimento


1591: os registros do Santo Ofício do século XVI, mostram que Xica Manicongo foi a primeira travesti do Brasil. Moradora da Baixa do Sapateiro, em Salvador, Francisco Manicongo, ou melhor, Xica, era uma negra escravizada que se tornou símbolo de resistência.


1962: foi preciso 371 anos depois de Xica para nascer a primeira Instituição LGBTI+ do Brasil. A Turma OK, fundado no Rio de Janeiro, é o primeiro grupo de que se tem registro na história do Brasil. “Nós não tínhamos sede, então nos encontrávamos em nossos apartamentos para shows e apresentações. Não existiam aplausos, apenas estalar de dedos para não fazer barulho por conta da Ditadura Militar da época”, conta Amancio Cezar, atual presidente da Turma Ok. “Nossa vitória contra aquele regime e nossa resistência até aqui têm sido motivo de muito orgulho”, afirma.


1971: em dezembro deste ano foi feita a primeira cirurgia de mudança de sexo genital em uma mulher trans no Brasil. Seis anos depois, acontecia a primeira operação em um homem trans.


1990: a Organização Mundial de Saúde (OMS) retira a homossexualidade da lista internacional de doenças mentais. A decisão transformou o 17 de maio como Dia Internacional contra a Homofobia.


1990: Roberta Close, que foi um ícone dos anos 80 com toda a polêmica que envolvia o seu corpo, torna-se a primeira modelo trans a posar nua para a Playboy. Ela havia feito a cirurgia de resignação sexual um ano antes, na Inglaterra. A capa da revista tinha, então, a seguinte frase: “Pela primeira vez, o novo corpo de Roberta Close”.


2004: foi instituído o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Em 29 de janeiro, 27 transexuais e travestis foram ao Congresso Nacional, em Brasília, reivindicar seus direitos. Assim, o Ministério da Saúde formalizou o compromisso para a saúde da população Gay, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transgêneros com a criação de um Comitê Técnico.


2006: em Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, o Sistema Único de Saúde passou a aceitar o uso do nome social, ou seja, aquele pelo qual travestis e transexuais querem ser chamados, em qualquer serviço da rede pública de saúde.


2008: dois anos depois, o Sistema Único de Saúde cria o processo transexualizador. A partir de duas portarias do Ministério da Saúde, 1.707 e 457, o reconhecimento da orientação sexual e da identidade de gênero tornaram-se determinantes dentro da saúde. O atendimento a pessoas trans passa a ser feito com uma rede de acolhimento com uma equipe multidisciplinar de psicólogos, endócrinos e cirurgiões. O SUS passa, então, a realizar neste ano a cirurgia de redesignação sexual. Algumas pessoas trans sofrem de disforia corporal e a mudança física é parte fundamental para o processo de transição e aceitação. Em 2020, foram feitas 3.440 cirurgias desse tipo no Brasil. Hoje, a fila de espera para a cirurgia pelo SUS pode chegar a dez anos.


2009: o primeiro ambulatório de saúde do Brasil dedicado exclusivamente a travestis e transexuais foi inaugurado pela Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo. Neste mesmo ano, foi fundada a Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil – REDETRANS Brasil, instituição nacional que representa pessoas Travestis e Transexuais do País. “Um dos nossos objetivos é priorizar o fortalecimento de políticas públicas governamentais nas três esferas que ampare nossa comunidade”, explica Tathiane Aquino de Araújo, atual presidente da Rede Trans.


2016: a Defensoria Pública da União solicitou ao Conselho Nacional de Justiça que pessoas trans sem cirurgia tivessem também o direito de retificar o registro de nascimento. Assim, pela primeira vez, uma mulher trans mudou seu gênero e nome sem avaliação médica ou atestado. O caso aconteceu em outubro deste ano em São Bernardo do Campo, em São Paulo.


2017: Tiffany Abreu torna-se a primeira jogadora transexual brasileira a receber autorização da Federação Internacional de Vôlei (Fivb) para atuar com as mulheres. Ela atuava pelo Golem Palmi, time da segunda divisão da Itália. “Eu sabia que isso teria um impacto, mas não imaginava tanta repercussão. Achei que como havia uma lei que permitia isso e estudos que comprovavam que era possível, o debate seria menor – mas não adianta, transfóbicos sempre existirão e para eles pouco importam as leis”, desabafou Tifanny em conversa com a Glamour em 2020.


2018: o Supremo Tribunal Federal autorizou que pessoas trans possam mudar nome e gênero direto no cartório, sem precisar obter autorização judicial. Pela decisão, a alteração nos documentos passa a ser feita sem a exigência de mudanças físicas ou laudos médicos. “Esse é um marco muito importante para mim pois eu me beneficiei dele. Antigamente, o processo para mudança de nome e gênero era muito lento e oneroso. Eu me lembro do dia que eu peguei a minha identidade com meu nome correto. Coincidiu ser no Dia Internacional da Mulher. Foi muito emocionante”, conta a modelo e influenciadora Bruna Andrade (@bru__andrade).


2018: este ano também marcou um número expressivo de mulheres trans a serem eleitas para o legislativo federal – foram mais de 50 candidaturas. Erica Malunguinho foi a primeira transexual eleita deputada estadual no Brasil, em São Paulo, e mais duas se elegeram por mandatos coletivos: Erika Hilton, pela Bancada Ativista, e Robeyoncé Lima, da Juntas, respectivamente em São Paulo e Pernambuco.


2020: dois anos depois, Erika Hilton torna-se vereadora de São Paulo com votação recorde. A cidade também elegeu Carolina Iara como covereadora pela Bancada Feminista do PSOL. Em Niterói, no Rio de Janeiro, a travesti negra Benny Briolly é eleita vereadora com a quinta maior votação no município.

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