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E a Terceira Guerra Mundial?

  • Foto do escritor: Eduardo Papa*
    Eduardo Papa*
  • há 6 horas
  • 8 min de leitura

Por Eduardo Papa*


Ilustração de Felipe Mendes - @ocoletordehistorias
Ilustração de Felipe Mendes - @ocoletordehistorias

É cada vez mais recorrente a pergunta: vai ter uma terceira guerra mundial? Alguns até dizem que ela já começou. Mas eu pergunto ao leitor: desde a segunda guerra mundial, quando o mundo não viveu sob a ameaça de uma terceira? Talvez no curto período após a derrocada da URSS, em que a hegemonia dos EUA passou a ser absoluta. Porém, o século atual surgiu marcado pelo aparecimento da China, ameaçando a supremacia econômica e militar estadunidense. A Rússia engrossou com a OTAN, partiu para cima da Ucrânia, e mostrou que o velho urso das estepes ainda tem as unhas afiadas. Os EUA não pararam em momento algum com sua política de guerras eternas, a indústria de armas (o negócio mais lucrativo do planeta) manda no país em associação com o capital financeiro monopolista (que também adora uma guerra). A guerra não para no mundo inteiro, junto com as mais badaladas, na Ucrânia e em Israel, tem um monte delas espalhadas por toda parte. E sempre foi assim desde a aurora da civilização humana.

 

Desde que Sargão I fundou o Império Acadiano, há 4.300 anos, na mesopotâmia, que a guerra passou a ser uma das mais importantes atividades humanas. Na verdade, podemos ter a impressão inicial de que a nossa história resume-se nos conflitos que marcaram a saga de nossa espécie sobre a terra. De fato, as guerras sempre foram momentos decisivos para as nossas sociedades, e grandes pensadores, como Sun Tzu na China antiga (A Arte da Guerra) e Clausewitz na Alemanha do segundo Reich (Da Guerra) se debruçam sobre esse tema crucial. O aprimoramento dos meios para exercer a violência foi decisivo em momentos importantes de transição e alternância de hegemonia, desde os primórdios até os dias atuais. Assim foi quando o ferro surgiu e começou a ser utilizado na confecção das armas, e os “povos do mar” destruíram os impérios da Era do Bronze. Da mesma maneira que a poderosa dinastia mongol na China foi derrubada por uma rebelião de camponeses, que marcou o início do uso da pólvora para fins bélicos. Ou quando os europeus, após a Revolução Industrial, submeteram todos os povos do mundo, com suas armas de repetição e canhoneiras couraçadas.

 

O século XX assistiu ao surgimento de superpotências militares, dotadas de meios de destruição em massa e um poderio militar avassalador, que as permitia impor sua vontade aos países mais pobres e desarmados. A Era Nuclear, que começou quando os EUA e a URSS explodiram suas primeiras bombas atômicas (1945 e 1949 respectivamente), paradoxalmente, representou um momento de equilíbrio e relativa paz, em que surgiram dois campos opostos com o mesmo potencial de destruir o planeta, o que conteve a sanha militarista em “bolsões de guerra quente” (Coréia, Vietnã, Argélia, etc.), dentro de uma “guerra fria” que podia destruir o mundo com dois cliques. Após o colapso da URSS, o poder de dissuasão nuclear permaneceu como um fator de equilíbrio de forças, mesmo no caso de rivalidades regionais como entre a Índia e o Paquistão, por exemplo. O desenvolvimento tecnológico acelerado aplicado à indústria bélica dotou alguns países de um poder militar enorme, tão esmagadoramente superior, que nenhuma força alternativa poderia surgir para ameaçar sua hegemonia. A maneira como Bush destruiu o Iraque e assassinou Saddam Houssein, e como Sarkozy destruiu a Líbia e assassinou Kadhafi, pareciam confirmar a tese de maneira irrefutável. Porém, na história há sempre um porém.

 

Veio da Pérsia, terra que há milênios forma guerreiros endurecidos, a doutrina militar capaz de ameaçar o poder das grandes potências, e transformou completamente a forma de se guerrear, abalando os pilares do poder das grandes estruturas militares do mundo atual. Qassem Suleimani, pobre de origem rural e com pouca formação escolar, entrou na Guarda Revolucionária Islâmica do Irã em 1979. Foi o exemplo do guerreiro forjado nas batalhas, granjeando fama de heroísmo na guerra contra o Iraque (1980- 1988), teve uma ascensão meteórica, chegando à patente de general e ao comando de uma divisão, sendo responsável por operações em profundidade dentro do território iraquiano. Acabou a guerra com grande prestígio por seus feitos militares, que lhe valeram o apelido de Haji Qassem (comandante das sombras). Em 1997, assumiu o comando da Força Quds, a divisão de guerra assimétrica da Guarda Revolucionária Islâmica. Sua atuação na organização do “eixo da resistência”, das montanhas do Afeganistão até os túneis de Gaza, ameaçou de tal maneira o poder do Império, que foi assassinado em um ataque de drones dos EUA, ordenado pessoalmente pelo Presidente Trump, em 2020.

 

O Comandante das Sombras se foi, mas seu legado é gigantesco: permitiu ao Irã impor uma derrota colossal a Israel, sem sequer declarar guerra ao país; garantiu a humilhação da marinha dos EUA por maltrapilhos e subnutridos combatentes Houtis do Iêmen; facilitou a expulsão do exército estadunidense do Afeganistão após 20 anos de ocupação; estabeleceu as bases estratégicas que permitem que o exército da Ucrânia, pouco mais que uma coleção de milícias nazistas (ainda que apoiadas pela OTAN), resista ao exército russo há mais de três anos, e mantenha a poderosa frota russa do Mar Negro confinada em seus portos. A guerra mudou, muito mesmo e, curiosamente, foi justamente o desenvolvimento tecnológico acelerado e o barateamento e simplificação de sua aplicação no campo militar, que botou sol na moleira dos generais dos exércitos mais poderosos do mundo.

 

O melhor exemplo da nova realidade vem do Iêmen. Na década de 1990, uma minoria religiosa iemenita (xiitas saiditas) iniciou uma contestação ao governo central e a crescente influência da Arábia Saudita em sua região, sob a liderança dos Houtis, conquistaram a cidade de Sannaa (2004) e estabeleceram uma região autônoma dentro do país. Passaram a ser atacados pelas forças sauditas, cercados e reduzidos à fome em seu território, pareciam condenados ao extermínio. Aí entrou Suleimani e a Força Quds, levando comida para o povo, remédios para os enfermos e armas para os guerreiros. O mesmo apoio que deram ao Hammas em Gaza, ao Hezbollah no Líbano, na Síria, no Iraque, transformando o Irã em uma importante potência regional, disputando espaço com a Turquia e Israel e assustando os soberanos tribais do Catar, Arábia Saudita, etc. Os Houtis foram bombardeados seguidamente e atacados pela Arábia Saudita, os Emirados Árabes e por coalizões ocidentais. Em 2017, a ONU considerou que os iemenitas viviam o mais grave drama humanitário do mundo. Entretanto, os Houtis se mantiveram firmes, aprimoraram suas capacidades militares e, em 2022, firmaram um acordo de paz com a Arábia Saudita, consolidando seu domínio em Sanaa.

 

Quando o exército de Israel entrou em Gaza e começou o massacre, os Houtis declararam apoio ao Hammas, e começaram a atacar navios com destino a Israel, e de seus aliados. Segundo Instituto Kiel de Economia Global, diminuiu em 70% o tráfego de containers no Mar Vermelho. Subiu 40% em média o custo dos seguros navais na região. O porto israelense de Eliat no Mar Vermelho parou de operar. Um prejuízo enorme para Israel e seus aliados europeus. No auge do turbilhão de suas bravatas no início do governo, Donald Trump anunciou, em 15 de março, uma operação militar contra os Hutis que seria “decisiva e contundente”. A princípio o mesmo de sempre, dois porta-aviões e uma grande frota naval começam a atacar o Iêmen, toneladas de explosivos foram lançados sobre o país, causando vítimas civis e prejuízos materiais. Porém, as capacidades militares dos Houtis foram mantidas. Em instalações abrigadas nas cavernas da região montanhosa, os iemenitas preservaram suas armas e contra-atacaram com força. Em 25 de abril, o porta-aviões USS Harry S. Truman – um monstro de aço de 97 mil toneladas, que custou a bagatela de 4,5 bilhões de dólares, carregando mais de 6.000 tripulantes – depois de perder 3 caças F/A 18 Super Hornet, fustigado pelos mísseis dos Houtis, empreende uma fuga desabalada, que o levou a manobras bruscas que o levaram a colidir com um navio mercante. O Vice-almirante Brad Cooper descreveu o combate como as batalhas mais ferozes desde a segunda guerra. Sem alarde, os EUA suspendem a operação e recolhem seus navios, contabilizando um prejuízo imenso, pois empregou mísseis de um milhão de dólares, ou mais, para derrubar artefatos infinitamente mais baratos, que os Houtis dispunham com fartura. O Mar Vermelho continuou fechado para Israel, que passou a ser diretamente atacado pelos mísseis iemenitas, e amargar prejuízos ainda maiores que os EUA. Imaginem o custo da interrupção da operação do aeroporto Ben Gurion? Ou da paralisação constante das atividades nas principais cidades, por horas, com as sirenes de alerta chamando a população para abrigos subterrâneos? Ao que me parece, o “Comandante das Sombras” conseguiu sua vitória póstuma.

 

Imaginem a cabeça dos almirantes americanos encarregados de fazer simulações de guerra para sua marinha no Mar da China? Tomaram mecha dos Houtis e saíram com o rabinho entre as pernas do Mar Vermelho. Avalia o que os espera no litoral de Xangai e Pequim? Os conceitos e paradigmas da militaria estão sendo completamente reformulados. O porta-aviões, por décadas o símbolo máximo do poder naval, pode estar se tornando obsoleto. Os tanques de guerra, antes senhores das batalhas terrestres, na guerra da Ucrânia, estão sendo envolvidos em “gaiolas” improvisadas pelos russos, para se defender do ataque de drones. Há poucos dias, em um audacioso ataque atrás das linhas de combate, o exército ucraniano conseguiu danificar e destruir alguns dos aviões de guerra mais caros do mundo com drones FPV, de baixíssimo custo. Na mesma guerra, está ficando claro que as armas russas são superiores às estadunidenses, pois transparece que elas são concebidas para vencer guerras, enquanto a indústria americana faz as suas pensando primeiro em ganhar dinheiro. O gigantismo e o elevado investimento são uma vantagem muito importante, mas não garantem o sucesso por si só.

 


A guerra moderna não ocorre apenas na terra, no mar e no ar, mas alcança o espaço sideral, e se desenvolve encarniçada no ciberespaço. Os conflitos se desdobram e campos tão variados, que mesmo uma força de recursos limitados, com uma combinação de ações bem sucedidas, pode surpreender inimigos muito mais poderosos. Ações de guerra psicológica podem produzir um dano maior que toneladas de bombas, não é preciso destruir o inimigo, basta retirar sua vontade de lutar. Até o perfil dos lutadores está mudando, um jovem obeso ou franzino capaz de operar bem um drone, pode valer mais para o combate do que um infante musculoso treinado em luta corporal. Os generais do mundo inteiro estão atualizando seus conceitos, o que tanto pode soar para alguns como um alerta de prudência, como para outros pode parecer uma janela de oportunidades. Portanto, responder a pergunta proposta inicialmente é difícil. A imensa maioria das pessoas do planeta quer a paz, viver a vida e ser feliz. Porém, uma lógica implacável move o poder econômico dominante, o objetivo imperioso estabelecido pelo neoliberalismo de acumular riqueza a qualquer preço. A fatura pode vir com a destruição do nosso meio ambiente (já em curso), ou com a eliminação de populações inteiras (também já em andamento em alguns locais). As guerras continuarão a eclodir pelo mundo, oxalá não cheguem a uma conflagração planetária, com o embate entre grandes potências.

 

Meus leitores estão acostumados a uma abordagem sempre embasada na história. Como não tenho a pretensão de ter respostas definitivas para um assunto tão complexo, recomendo a leitura de uma obra de Barbara W. Tuchman, que considero a principal historiadora em atividade depois da morte de Eric Hobsbawn, em A Marcha da Insensatez: de Tróia ao Vietnã, ela demonstra a capacidade que nós temos de caminhar para a ruína, mesmo sabendo que nossas decisões levarão ao desastre. Se haverá mesmo uma terceira guerra mundial, não me arrisco a opinar, muito menos como ela seria, mas concordo com Albert Einstein, que, ao afirmar a incapacidade de responder a mesma questão, garantiu que o certo mesmo é que uma quarta guerra seria travada com paus e pedras.


*Eduardo Papa - Colunista, professor, jornalista e artista plástico (www.mosaicosdeeduardopapa.com)


 

 
 
 

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