EM ALGUM LUGAR DO QUINTO DOS INFERNOS
- Eduardo Papa*

- 29 de jun.
- 5 min de leitura
Por Eduardo Papa*

Os líderes políticos e pensadores marxistas, como ateus confessos, foram todos condenados a danação no inferno. Como a eternidade é um prazo muito longo, vez por outra, entre os suplícios e penas a que foram condenados, se reúnem para um trago e um papo, sobre a conjuntura política é claro.
Sempre um dos mais eloquentes, Leon Trotsky começa a conversa:
O mundo vive uma situação pré-revolucionária! As massas estão sendo empurradas para a insurreição pela crise econômica!
Imediatamente seu antigo desafeto Stálin, como de costume, discorda:
Bobagem! A direita está em ofensiva, há nazistas na Ucrânia ameaçando a Mãe Rússia!
Alisando a calva, o velho Lênin intervém:
Calma aí vocês dois, já começou essa picuinha! Ô Trotsky, menos aí cara, onde é que tu tá vendo isso tudo?
Trotsky:
Ora veja o Brasil, depois da derrota do golpe militar o governo social democrata de Lula está abrindo as portas para a ascensão do movimento de massas.
HUAHUAHUAHUAHUAHUA. Uma gargalhada em uníssono toma conta do recinto, e o velho Lênin retoma a palavra de cenho franzido.
Ô Trotsky você não estudou minha teoria, para fazer a revolução precisa ter um partido revolucionário.
E Trotsky emenda de pronto:
Ué! Nós temos lá o PSTU.
HUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUA. Um gargalhar ainda mais estrondoso ecoou. Stálin trôpego em frouxos de riso provocava o desafeto:
Aqueles merdinhas que andaram apanhando dos fascistas nas passeatas de 2013?
O tempo fechou e foi preciso o velho decano Karl Marx intervir para impedir que saíssem no tapa:
Os elementos apresentados até agora não permitem uma conclusão, é preciso aprofundar a discussão sobre a estratégia e a tática revolucionária no Brasil, para avaliar qual a organização política está mais apta a liderar as massas brasileiras no processo revolucionário.
Mao Tsé Tung entra na conversa:
Tranquilidade! O companheiro Xi Jinping já está investindo bilhões no Brasil, certamente o aprofundamento das relações econômicas determinará o aumento da influência do Partido Comunista Chinês no Brasil e em toda a América Latina.
Stálin, depois de quase uma garrafa de vodka, com a grossura de sempre, corta o chinês:
Qual é Mao! O Brasil para vocês é um supermercado, o que vocês estão fazendo é entupindo de dinheiro os latifundiários ultrarreacionários que apoiam o fascismo.
O circunspecto e elegante Engels toma a palavra:
Pera lá Stálin, olha o nível! Queremos todos ouvir as diversas análises e propostas.
De súbito um brado assusta a todos:
ÀS ARMAS!!!
Era o Chê Guevara, que estava fumando um baseado com Andreas Bader e Ulrich Meihoff:
Temos que armar um foco de guerrilha com os camponeses brasileiros, vamos comprar armas, entregar para o MST e começar a revolução.
QUAQUAQUAQUAQUAUQUA! Nova explosão de gargalhadas, até o sisudo Lênin descascou:
Esse teu bagulho deve ser forte mesmo, o negócio desses caras é fazer comidinha orgânica, revolução ali passa longe.
Fidel Castro entra no papo para defender o parceiro:
Com todo o respeito Lênin, mas o Chê está certo, o setor agrário é o mais dinâmico da economia brasileira, logo a revolução será camponesa.
Hugo Chaves chama Luís Carlos Prestes para a conversa:
E aí Prestes, você que era militar, será possível mobilizar militares nacionalistas para apoiar a revolução?
Prestes responde na lata:
Impossível! Milico hoje por lá é tudo direita furiosa, não viu agora no golpe de Bolsonaro? Os fascistas armaram acampamento nas portas de todos os quartéis do país, e não teve um comandante pra cumprir a lei e dispersar a turba. Mesmo sendo liderado por um imbecil como Bolsonaro, o golpe só não vingou porque o Tio Sam não autorizou.
O Marechal Tito que jogava xadrez com a Rosa Luxemburgo concordou:
Pois é, desde a geração do Lamarca que nosso pessoal foi trucidado dentro das Forças Armadas do Brasil.
Nesse momento Antônio Gramsci pede a palavra:
Claro que não Chaves! A melhor opção está nas correntes do PSOL, que estão travando a batalha cultural, disputando os espaços na sociedade civil com a direita, para construir a hegemonia da classe trabalhadora.
George Marchais que conversava com Palmiro Toggliacci e Kerensky ponderou:
O caminho correto é o apontado por Lula e o PT, que consolidou uma frente popular para conter a extrema direita.
Bakunin ao lado de Malatesta da mesa dos anarquistas esbraveja:
Traidores! Frente popular com o centrão? Serão varridos pelo ressurgimento do anarquismo. O povo brasileiro já está construindo organizações populares, com base na horizontalidade, que irão se constituir em uma alternativa ao poder burguês e criar uma sociedade auto-sustentável e igualitária...
Um brado interrompe sua fala:
CANALHA! Quinta coluna filho de uma puta!
Era La Passionara partindo para cima dos anarquistas com uma cadeira na mão, contida a duras penas pelo Mandela. Mas a confusão estava instaurada, e nem o velho Marx conseguia mais conter as agressões e acusações entre todos:
Oportunista! Revisonista! Aventureiro! Democratista! Populista! Capitulacionista! Traidor! Covarde!
E os ânimos iam cada vez mais acirrados numa algazarra ininteligível, quando num estrondo tremendo, acompanhado de um calor escaldante e um cheiro forte de enxofre, surge o próprio demo, de rabo e chavelho, e botando fumaça pelas ventas:
Que zoeira é essa? Qual o motivo da polêmica? Fala logo um aí senão vai todo mundo pro caldeirão agora!
Quem responde é o corajoso Ho Chi Min, que respeitosamente informa:
Os companheiros estavam discutindo sobre uma revolução no Brasil,
HUAHUAHUAHUAHUAHUAHUA! Quem dá uma gargalhada de estremecer o submundo é o capiroto que emenda:
Inocentes! Não sabem de nada! No Brasil não tem chance, lá é o maior caso de sucesso de nosso pessoal na terra.
Vira-se para Karl Marx e lembra:
Se liga! Quando vocês estavam fazendo a Comuna de Paris, no Brasil ainda tinha rei e escravo.
O coisa ruim então pergunta para a turma:
Vem cá, algum de vocês já viu algum governante ou grande capitalista brasileiro por aqui?
Não! Não! Nem eu... murmuram as almas condenadas.
Pois é, seus otários, é que são tantos que eu tive que mandar cavar um malebolge só pra eles, é muita alma desgraçada! E ainda escolher demônios incorruptíveis para a guarda, senão aquilo fica que só o batalhão prisional da PM. O Brasil é coisa nossa, até cristão lá joga no nosso time, tem um monte de pastor trabalhando na nossa facção! Olha a PM do Rio! E a de São Paulo! Sem falar das milícias, que serviço bem feito! Dá orgulho de ver o Estado Brasileiro trabalhar!
Numa atitude verdadeiramente insana Pol Pot interpela o capeta:
Mas nunca houve uma brecha? A escravidão acabou e o império também.
A resposta veio precedida de um grunhido horripilante:
Só vou relevar essa insolência pelos bons serviços que me prestou, com todos aqueles massacres e a destruição do Camboja. Não. Lá não tem pra ninguém, no meio do século passado, o povinho ficou lá de palhaçada, querendo muita regalia, a gente armou logo uma ditadura militar feroz, e de lá pra cá é só nós. Tá tudo dominado! E como castigo pela perturbação da ordem, vinte e quatro horas de sertanejo universitário no volume máximo.
Não! Não! Piedade! Choramingam os excomungados, mas Lúcifer é cruel:
E cala a boca, senão ainda enfio outro tanto em discursos de deputados do PL na Câmara.
*Eduardo Papa - Colunista, professor, jornalista e artista plástico (www.mosaicosdeeduardopapa.com)




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