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  • Foto do escritorElen Genuncio

Entrevista com Toni Reis: a longa jornada na luta pela inclusão nas pesquisas do IBGE

O diretor presidente da Aliança Nacional LGBTI+ fala sobre a contribuição dos dados do IBGE para Políticas Públicas abrangentes na busca por igualdade e dignidade para a comunidade LGBTI+



A Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) de 2023 iniciou seus trabalhos neste mês de outubro, representando um marco histórico para a comunidade LGBTI+ no Brasil. Após anos de luta e reivindicações, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) incluiu perguntas sobre orientação sexual e identidade de gênero, permitindo uma compreensão mais abrangente das necessidades e desafios enfrentados por essa comunidade diversa. A Aliança Nacional LGBTI+ e outras organizações desempenharam um papel fundamental nesse processo. O IBGE estabeleceu um grupo de trabalho para discutir as perguntas a serem feitas, garantindo que houvesse um consenso na formulação das perguntas para evitar ambiguidades.


Nesta entrevista exclusiva, Toni Reis, diretor presidente da Aliança Nacional LGBTI+, compartilha sua perspectiva sobre a importância da inclusão das perguntas LGBTI+ na PNDS 2023 e como essa mudança impactará positivamente a comunidade no Brasil. Ele também aborda os desafios enfrentados ao longo da jornada de 31 anos de luta e discute as expectativas da Aliança Nacional LGBTI+ em relação à inclusão de perguntas LGBTI+ na pesquisa.


Destaca a relevância dos dados coletados não apenas na área de saúde, mas também em outros setores, como educação e segurança pública, e como essas informações podem influenciar a formulação de políticas públicas inclusivas. Ele revela sua visão sobre os próximos passos na busca por igualdade e dignidade para as pessoas LGBTI+ no Brasil e encoraja a persistência e a determinação como ferramentas essenciais para superar a discriminação e construir um ambiente seguro para todos.


Toni Reis nos leva a reflexão de que a inclusão de perguntas LGBTI+ na PNDS 2023 não é apenas um marco, mas também um compromisso em direção a uma sociedade mais inclusiva, onde todos, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero, sejam vistos como cidadãos e cidadãs de pleno direito e refletidos nos dados oficiais do Estado brasileiro.


Veja a íntegra da entrevista:


Qual a importância da inclusão das perguntas sobre orientação sexual e identidade de gênero na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) de 2023? Como essa inclusão beneficia a comunidade LGBTI+ no Brasil?


Para elaborar políticas públicas, precisamos ter dados do problema para apontar soluções, indicadores para avaliar os projetos. É fundamental que nossa comunidade não fique invisibilizada. Nós somos, por estimativa, em torno de 10% da população brasileira, ou seja, hoje nós temos, no mínimo, 20 milhões de pessoas LGBTQI+ no âmbito nacional. Nós precisamos saber como que estão as questões sociais nossas, e a saúde é uma das nossas grandes prioridades.


A luta por essa inclusão já dura décadas. Como a Aliança Nacional LGBTI+ e outras organizações trabalharam para tornar isso uma realidade e quais foram os principais desafios ao longo do caminho?


Desde 1992, o Grupo Gay da Bahia, nossa organização mais antiga em funcionamento ainda no Brasil, fez as primeiras tratativas e os primeiros pedidos. Nós, do Grupo Dignidade da Aliança, começamos a trabalhar a partir do ano 2000. Temos os primeiros ofícios encaminhados, mas sempre tinham a justificativa de que era muito trabalho, de que tinham muitas perguntas, que tinham que eliminar algumas perguntas; depois falando que era uma pergunta muito privada, depois era a questão de orçamento. Aí nós solicitamos ao Ministério Público, que fez uma ação, extremamente importante. Havia uma certa resistência política na gestão passada. Os técnicos sempre foram muito afáveis, muito receptivos, mas nós sabíamos que havia uma certa resistência, inclusive da própria comunidade LGBTI+. Nós encontramos resistência de algumas pessoas que querem saber quem são assumidamente desses 10%, pois não são todas essas pessoas. Tem muita gente dentro do próprio armário. Mas a gente conseguiu superar e aí nós vamos ter a primeira pesquisa, pelo menos, a segunda, porque teve uma que colocou que nós tínhamos 60 mil casais homoafetivos no Brasil.



O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estabeleceu um grupo de trabalho para discutir as perguntas a serem feitas. Você poderia nos contar um pouco mais sobre como esse grupo de trabalho foi formado e qual foi o processo de tomada de decisão?


Nós tivemos algumas reuniões presenciais no Rio de Janeiro, algumas reuniões on-line, porque na nossa comunidade o que nós temos em comum, infelizmente, é a violência, a discriminação, mas nós somos muito diversos. As letrinhas LGBTI+ não abarca toda a diversidade. Aí nós temos que fazer pergunta sobre orientação sexual, mas como a gente vai explicar o que é orientação sexual para uma pessoa que não é do meio, porque nós vamos ter que pesquisar todo Brasil, todas as regiões. O que é identidade de gênero, quais as nomenclaturas? Foram detalhes que tiveram que ser testados no questionário e voltou até a gente conseguiu um consenso. Com certeza vai haver críticas das perguntas, mas foi o melhor que a gente conseguiu chegar nesse momento histórico. Eu como já tenho 60 anos aprendi muito com o nosso querido Paulo Freire: temos que ter uma paciência histórica.



Os resultados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, divulgados em 2022, foram questionados quanto à possibilidade de subnotificação de dados em relação à população LGBTI+. Como você avalia o impacto da ausência de perguntas sobre orientação sexual e identidade de gênero nos resultados da pesquisa?


Com certeza vai ter subnotificações, mas eu sempre penso - sou uma pessoa extremamente otimista - o ótimo é muitas vezes inimigo do bom. Se a gente não tem uma pesquisa excelente, vamos para a boa. Teremos que trabalhar com os dados que temos. Eu acho assim. Estamos tendo uma abertura, o novo Governo, a nova direção do IBGE está extremamente aberta a essa discussão e a gente vai aprimorando. Acho que essa é uma luta de gerações. Sabemos que a questão LGBTfobia no mundo é uma questão cultural e uma cultura não se muda em 10 anos, 20 anos. Ela demora um certo tempo, temos que fazer a história correr para que possamos mudar a cultura.



Quais são as expectativas da Aliança Nacional LGBTI+ em relação à inclusão de perguntas LGBTI+ na PNDS 2023? Como você espera que esses dados influenciem a formulação de políticas públicas no Brasil?


Esperamos ter alguns dados, indicadores para que a gente possa fazer gestões nos municípios, nos estados, no Distrito Federal e na União. Nós, da Aliança Nacional, estamos ocupando todos os espaços possíveis junto ao Estado brasileiro. Estamos em vários conselhos municipais, estaduais, distrital e nacionais, em grupos de trabalho. Aonde e para onde somos convidados, tem um representante, se possível, uma pessoa especialista naquela área, por exemplo, hoje nós estamos no Conselho Nacional LGBTI+, no Conselho do Idoso e nos outros conselhos. Temos outras redes, porque tudo é um processo aberto, democrático, no qual as entidades se inscrevem e, a partir daí, são selecionadas com base em critérios específicos. Nossos conselheiros e conselheiras têm elementos para fazerem gestão para que tenhamos políticas e para que na próxima pesquisa do IBGE a gente possa comparar: melhorou piorou? É isso que nós precisamos fazer.



Essa inclusão não se limita à saúde, mas também tem implicações em áreas como educação e segurança pública. Como você vê a contribuição dos dados LGBTI+ para a construção de políticas públicas abrangentes e inclusivas?


Eu vejo que é fundamental nós termos os dados. As nossas prioridades são: primeiro a questão da educação, pois precisamos ter uma educação inclusiva, que proteja, que tenha segurança, acolhedora. Nós precisamos uma segurança pública em que as pessoas tenham a prevenção e a promoção, em que a Polícia Civil, a Polícia Militar, as polícias nacionais estejam sensibilizada e capacitada para tratar com LGBTI+ de forma cidadã, com civilidade, que registrem os boletins de ocorrência, conforme as definições da Constituição Federal e as decisões do Supremo Tribunal Federal. Hoje nós temos a maior dificuldade, na maioria dos Estados, para registrar um boletim de ocorrência com agravante de LGBTfobia. Também precisamos dados na área de saúde, que é o principal foco dessa pesquisa.


Pode nos falar um pouco mais sobre a jornada de 31 anos da Aliança Nacional LGBTI+ e outras organizações na luta pela inclusão da população LGBTI+ nos levantamentos do IBGE? Quais são as conquistas mais significativas ao longo desse período?


Uma correção: serão 31 anos que nós faremos no Rio de Janeiro em homenagem a um dos grupos mais atuantes no Brasil, que é o Grupo Arco-Íris. Terão exposições, seminários, campanhas que estão sendo organizadas pelo grupo Arco-Íris. Nós, da Aliança, participaremos inclusive de seminário para discutirmos os grandes projetos no Congresso Nacional. Também estaremos na Parada. E, claro, essa questão do IBGE estará dentro dessa análise de conjuntura favorável à nossa pauta para que possamos construir.


As principais conquistas, nós temos várias. A primeira grande conquista no Brasil foi em 1985 quando o movimento LGBTI+, liderado pelo professor doutor Luís Montt, retirou da classificação internacional das doenças código 302.0, o que a Organização Mundial da Saúde só fez em 1990. Então, nós tiramos 5 anos antes. Depois tivemos pequenas vitórias. O Grupo Gay da Bahia participou da primeira comissão de HIV/AIDS no Brasil. Depois tivemos o primeiro plano de Direitos Humanos que citou a palavra homossexual no prefácio. Daí os outros dois planos já tinham ações. Aí tivemos em 1999 a resolução do Conselho Federal de Psicologia. Em 2003 tivemos no Brasil o programa Sem Homofobia, que foi o mais abrangente que se tem notícia. E aí, a partir de 2008, começamos a nos articular para ir ao STF, tendo em vista que o Congresso Nacional, por toda uma oposição, ficou inoperante, omisso e a gente recorreu ao STF.


Por tanto, o que aprendemos durante esses 40 anos de luta pelos direitos humanos é que a ausência de leis não quer dizer ausência de direitos. No Supremo Tribunal Federal conseguimos a primeira vitória, que foi a união estável, depois no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o casamento, a questão da identidade de gênero para as pessoas trans, a doação de sangue, a criminalização da LGBTfobia, a retirada da pederastia do Código Militar, tivemos derrubada da Escola Sem Partido.


Foram grandes vitórias. As outras profissões, como assistente social, também tem hoje um código de ética, a OAB também tem no seu código o respeito a diversidade sexual. Enfim, estamos conseguindo. Hoje estamos com a Frente Parlamentar, com em torno de 260 parlamentares que aderiram. São algumas vitórias, mas temos muito a fazer. Há ainda muitos assassinatos, discriminação, mas temos que ter constância, determinação e persistência para vencer essa cultura que ainda discrimina quem é diferente da maioria.



Considerando os avanços até o momento, quais são os próximos passos na promoção da igualdade e da dignidade para as pessoas LGBTI+ no Brasil?




Primeiro temos que fazer um trabalho de articulação com outros setores da sociedade, trabalhar as interseccionalidade, trabalhar com as pessoas com deficiência, com as pessoas idosas, os afrodescendentes, as mulheres, fazer um trabalho em conjunto para políticas públicas gerais, que inclua todas as pessoas, não esquecendo a comunidade LGBTI+. Acho que o principal desafio é pensar em políticas gerais que sejam inclusivas e, mais especificamente, precisamos nos articular no Congresso Nacional para resistir aos retrocessos e também propor leis para positivar as conquistas que nós tivemos no Supremo Tribunal Federal.



Há alguma mensagem final que você gostaria de compartilhar com o público em geral em relação a essa inclusão histórica de perguntas LGBTI+ na PNDS 2023?


Primeiro vejo que a determinação, a persistência, a constância têm que ser as nossas palavras de ordem para não desistir, desanimar, de fazer o trabalho. Infelizmente tem LGBTfobia para todo mundo trabalhar no Brasil. Eu gostaria que tivessem muitas organizações, muitas redes, cada um fazendo seu trabalho para que a gente possa, de forma unida na ação, superar as desigualdades do nosso país e lutar para um ambiente seguro para todas as pessoas.

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