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O DRAMA DO PUXA-SACO

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    Eduardo Papa
  • há 2 horas
  • 7 min de leitura

“Lá vem o cordão dos puxa-saco. Dando vivas aos seus maiorais... Mas se o doutor cai do galho e vai pro chão. A turma toda evolui de opinião. E o cordão dos puxa-saco cada vez aumenta mais.”

Anjos do Inferno


Ilustração de Felipe Mendes - @ocoletordehistorias
Ilustração de Felipe Mendes - @ocoletordehistorias

*Por Eduardo Papa


Atire a primeira pedra quem nunca tentou massagear o ego alheio. Trata-se de uma atitude normal, até mesmo piedosa quando movida por propósitos nobres. Um recurso para elevar a auto-estima de uma pessoa querida em um momento difícil, ou uma forma de reconhecimento do esforço ou valor de outrem, nada demais. Mesmo quando nem tão desinteressada assim, no contexto de uma conquista amorosa, por exemplo, pode ser perfeitamente aceitável. O problema começa quando o elogio exagerado e continuado, principalmente quando despropositado, passa a ser uma característica dominante na conduta pessoal e peça fundamental na construção dos relacionamentos.

 

Ao longo da história podemos encontrar inúmeros casos para ilustrar a prática da adulação, com os meios e resultados mais díspares. Desde o infame Marcus Brutus, que na vida tudo devia aos favores do amante da mãe, Júlio César, e o apunhalou pelas costas.  Até o brilhante Nicolau Maquiavel, que, buscando os favores de Lorenzo de Médici para escapar da pobreza, escreveu uma obra fundamental para a ciência política (O Príncipe). Nos tempos antigos e na vida moderna são abundantes os exemplos de quem faz da bajulação profissão de fé. Em todos os rincões da terra tem puxa-saco, não importa a origem cultural, o campo ideológico, o credo religioso, o ramo profissional, a formação intelectual, ou a situação social. O puxasaquismo é democrático e pode ser exercido livremente sem qualquer restrição.

 

Com décadas de serviço público e continuada experiência na vida política, setores em que a bajulação corre solta e, infelizmente, acaba sendo trampolim para o sucesso. Tendo testemunhado, ao longo dos anos, a ação de bajuladores contumazes, vou tentar sistematizar minha experiência e trazer para o leitor um resumo do que considero serem as principais características do puxa saco, expondo alguns exemplos de quão deletéria pode ser sua influência.

 

 

O PUXA-SACO É SEDUTOR

Ele vai tirar bolinhas de tecido da sua roupa enquanto fala como você está bem, como sua roupa foi bem escolhida, como o feitio lhe assenta magnificamente. Se você é do tipo despojado, que não liga muito para a aparência, vai observar que sua inteligência é acima da média, que seu raciocínio é rápido e leva a conclusões precisas. Não sendo por aí, vai elogiar seu bom gosto e requinte à mesa, seu gosto musical. Enfim, seguirá em um trabalho exploratório para descobrir seu ponto fraco e enredá-lo em sua teia, onde a desgraça espera quem cai.

 

Dou como triste exemplo um dos maiores homens públicos a quem eu tive o privilégio de servir - Roberto Saturnino Braga. Eu trabalhava na Secretaria Municipal de Planejamento do Rio de Janeiro, quando José Sarney lançou um dos maiores estelionatos eleitorais da nossa história - o Plano Cruzado, que prometia acabar com uma inflação anual de quatro dígitos por decreto. A nossa Superintendência de Orçamento começou a elaborar a proposta orçamentária no escuro, quanto embutir de inflação para o ano seguinte? Os responsáveis procuraram sondar o que os técnicos da área estavam fazendo pelo Brasil, na cidade de São Paulo estavam trabalhando com mais de 400%, Belo Horizonte, Porto Alegre e outras capitais na mesma faixa. Saturnino incorreu em um erro crasso, acreditou em Sarney e mandou para a Câmara uma mensagem com previsão quase zero de inflação. Meu chefe era um economista nissei chamado Ákira Kono, todo mês ele ia até o prefeito com tabelas e gráficos e dizia: vai falir! Saturnino, cercado de aduladores sicofantas, não lhe dava ouvidos, mas o japa era bom de conta, acertou quando o dinheiro ia acabar com grande antecedência. O resultado foi trágico, o Rio foi para o buraco levando junto a carreira política do prefeito.

 

 

O PUXA-SACO É VOLÚVEL

A última coisa que você deve esperar de um puxa-saco é fidelidade no infortúnio. Como bem diz a antológica marchinha dos Anjos do Inferno, se o doutor cair do galho a turma evolui de opinião. O leitor pode ter absoluta certeza que o puxa-saco o abandonará sem remorsos, assim que não tiver nada mais a ganhar com a sua simpatia. O adulador é falso e dissimulado, a empatia é positiva enquanto puder resultar em alguma vantagem, quando não há nada mais a ganhar acaba o amor.

 

Eu fui Administrador Regional da IVª RA no governo Marcello Alencar, ao tempo em que era presidente do diretório da 3ª Zona Eleitoral do PDT, cuja indicação me levou ao cargo. Eu gostava muito do velho Marcello, era um sujeito de fácil convivência e de bom humor. Fiquei muito triste quando azedou a relação dele com o Brizola e começamos a viver momentos tensos dentro do partido. Como eu não estava empenhado com nenhum cacique, tomei a decisão de que rumo seguir em discussão com a minha base no diretório, a minha posição em favor do caudilho prevaleceu por maioria absoluta, e pude passar todo o período de turbulência com a serenidade de quem já tinha a decisão tomada.

 

Durante esse processo, eu participei de dois eventos que foram para mim muito esclarecedores quanto ao tema ora em tela. O primeiro foi uma reunião com presidentes e delegados do partido, na sede do PDT, em que Brizola impôs uma humilhação desnecessária ao Marcello. Eu não gostei. Depois do racha fiz campanha contra o Marcello Alencar para governador, não tive mais nenhum contato com ele até ele sair do governo (só o encontrei novamente já bem idoso, em uma cadeira de rodas, em um evento social), mas eu o defendi. Ele era um bom prefeito, foi leal à legenda até o fim de seu governo e tinha o direito de escolher seus caminhos. Pois bem, quando tudo se consumou, já no finalzinho de seu governo, Marcello chamou para uma reunião, na residência oficial, os funcionários com cargos políticos em sua administração, onde anunciou que estava indo para o PSDB e deixou nas entrelinhas que ia deixar de ser prefeito, mas poderia indicar nomes para a Administração Federal no Rio. Com poucas surpresas e uma grande decepção, tive a comprovação cabal da minha tese: “companheiros” que atacaram ferozmente o Marcello na Rua Sete de Setembro, no centro da cidade, na Gávea Pequena, debulhavam-se em elogios ao chefe. Muitos eu conhecia bem, alguns do meu diretório tiveram inclusive uma ascensão profissional meteórica: o meu vice-presidente foi presidir uma empresa pública estadual, de cuja privatização encarregou-se, após o que sumiu da vida política sem deixar rastros; outro chegou a ser Ministro do Tribunal de Contas do Estado, não acho que já saiu da cadeia.

 

 

O PUXA-SACO É CONSERVADOR

O exercício eficaz da bajulação depende da estabilidade. Como vimos acima, o puxa-saco não tem o menor problema em evoluir de posição, mas o continuísmo é sempre preferível, pois mudanças carregam o seu ônus. Afinal, todo o capital de simpatia acumulada, por vezes em anos de continuado exercício da adulação, desaparece no ar, e a escalada tem que recomeçar da estaca zero junto ao novo poder estabelecido. Não se engane o leitor, puxar saco é trabalhoso, aí vale a analogia com a manipulação de tão recôndita porção da anatomia masculina: a bolsa escrotal é um terreno movediço, cheio de rugosidades e reentrâncias, de onde emergem tufos de cabelo, terreno delicado em que qualquer movimentação açodada pode ser desastrosa. Mas o puxa-saco de verdade não se abate, agarra o novo badalo com força disposto a qualquer humilhação para afirmar sua vassalagem, vai tirar muita bolinha de tecido dos novos paletós que chegam, vai exaltar a beleza de gente feia, vai elogiar a inteligência de qualquer boçal, vai oferecer todo tipo de favores e homenagens, vai enlamear a imagem do dono do saco que largou, e exibir um enorme arsenal de meios disponível para o exercício da adulação. Métodos de eficácia comprovada, pois como bem ressaltam os Anjos do Inferno, “o cordão dos puxa-saco cada vez aumenta mais”.

 

Retomando a história do tópico passado, Marcello foi para o PSDB e concorreu a governador contra Antony Garotinho. Nessa eleição eu fui encarregado pela direção regional do PDT de coordenar a fiscalização das apurações no Rio, eu tinha a experiência para tanto e me deram todos os recursos necessários. Abrindo um parêntese: trabalhei décadas na fiscalização de apurações eleitorais e posso assegurar que a defesa do voto impresso como forma de garantir a lisura é um total absurdo. Quem conheceu o processo e o defende é mal intencionado. Nem na ditadura militar eu tive tanto medo de morrer quanto nessa eleição, eu fiz o meu trabalho e nas vésperas do pleito pude assegurar a Carmen Cynira (secretária do partido) e ao governador, que tinha montado uma estrutura confiável para garantir a lisura nas eleições majoritárias, mas nas eleições proporcionais era impossível, pois detectei diversos esquemas mafiosos para o favorecimento de candidatos a deputado, inclusive dentro do nosso partido. Não deu outra, as eleições para deputado no Rio foram anuladas e os candidatos ao legislativo foram a um segundo turno, junto com as eleições para governador. Essa apuração foi a última tarefa importante que assumi no partido, terminei meu mandato no diretório da minha zona eleitoral e não concorri mais.

 

Voltando ao caso, no dia seguinte à divulgação do resultado do primeiro turno, tentando mostrar serviço na eleição (que os iniciados sabiam estar perdida), Garotinho marcou uma atividade no Largo da Carioca. Mesmo extenuado e com os nervos em frangalhos, depois de momentos de grave tensão vividos, atendi ao chamado. Logo que me viu, cercado pela multidão, Garotinho resolveu me esculachar publicamente, no intuito de me colocar no rol das desculpas para seu próprio fracasso. Tive que ter muito sangue frio para me conter e não plantar uma bofetada naquele nanico ridículo. Respirei fundo e fui tomar um café no Edifício Avenida Central, quando tive uma conversa de poucos minutos, mas fundamental na minha vida, com a Yara Vargas.

 

 A Yara não era muito querida pelo pessoal mais jovem do partido, mas eu gostava dela. Estávamos derrotados e sabíamos disso, em poucas semanas perderíamos os cargos, era o início de um clima pesado de fim de governo, eu no dia 31 de dezembro perderia um bom salário, voltando para sala de aula ganhando dez vezes menos! As opções existiam: eu poderia procurar o Marcello Alencar, ainda que tivesse que engolir sapos, era viável; poderia procurar nossa bancada e arrumar vaga em algum gabinete da Alerj, ainda que tivesse que entrar em alguma rachadinha, era mais fácil ainda.

 

Estávamos falando sobre o assunto, perto dos assessores do Garotinho, a quem ela desprezava profundamente, apontou para eles e disse (me lembro de cada palavra como se fosse hoje): “você é professor, não precisa se humilhar como essa gentinha. Pode voltar para a escola e seguir a sua vida”. A ficha caiu na hora! Coloquei minhas duas matrículas no turno noturno do Colégio Amaro Cavalcanti, em seis meses abri a Zeitung Editora e comecei a ganhar mais atuando no mercado editorial do que no Palácio. Penso em deixar para o leitor o seguinte aprendizado que assimilei: você pode até ter uma política de agradar, de simpatia, mas para ser um puxa-saco de verdade, é como ser professor, precisa ter vocação. Naquela hora decisiva eu confirmei a minha.



*Eduardo Papa - Colunista, professor, jornalista e artista plástico (www.mosaicosdeeduardopapa.com)


 
 
 
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