O legado de Preta Gil: voz ativa pela diversidade e pela justiça social
- Ronaldo Piber

- 28 de jul.
- 3 min de leitura
Por Ronaldo Piber*

A morte de Preta Gil representa mais do que a perda de uma artista talentosa. É a despedida de uma figura que soube unir arte, política, corpo e afetos em uma trajetória marcada pela coragem e pelo compromisso com a transformação social. Preta não cabia em rótulos. Era filha de um dos maiores nomes da MPB, Gilberto Gil, mas construiu seu caminho sem abrir mão de sua identidade — negra, gorda, bissexual, livre. Uma mulher que, mesmo sendo alvo constante de ataques por seu corpo, sua sexualidade e suas opiniões, jamais se calou.
Preta Gil teve uma vida pública em que sua imagem e suas escolhas pessoais muitas vezes foram questionadas e atacadas por uma sociedade racista, machista e LGBTfóbica. Mas ela resistiu. E mais que resistir, ocupou. Fez de sua trajetória uma trincheira para a luta por visibilidade, respeito e inclusão de pessoas marginalizadas. Para quem trabalha com Direitos Humanos e Direito Antidiscriminatório, sua atuação se torna ainda mais relevante: Preta foi um símbolo da luta pelo direito de existir em plenitude.
Preta falava de amor, de prazer, de autoestima. Isso, por si só, é revolucionário em uma sociedade que constantemente nega o afeto a corpos dissidentes. Ela sabia que o afeto é político, que o corpo é um território de disputa. Denunciava a violência estética imposta às mulheres e desafiava os padrões de beleza coloniais e misóginos. Fazia isso em entrevistas, nas redes sociais, em programas de TV — mas, principalmente, com o próprio corpo, recusando-se a se esconder.Ela não pedia licença. Exigia respeito. E isso nos inspira a repensar o Direito como instrumento de libertação e não de repressão.
Enquanto muitos artistas se escondem em zonas de conforto, Preta Gil escolheu se posicionar. Foi uma das poucas vozes públicas a falar sobre bissexualidade com franqueza, mesmo sendo constantemente colocada em dúvida. Defendeu abertamente o casamento igualitário, a criminalização da LGBTfobia, a visibilidade das pessoas trans e travestis, o direito à adoção por casais homoafetivos, o uso do nome social, entre tantas outras pautas.
Ela não era apenas uma simpatizante. Era uma parceira. Uma aliada que não falava por, mas com. Que cedia espaços, microfones e palcos. Que defendia políticas públicas e denunciava retrocessos. E que sempre esteve ao lado de militantes, ativistas e movimentos sociais, inclusive em momentos delicados da política brasileira.
Preta Gil entendia que neutralidade é uma forma de omissão, e omissão, diante da injustiça, é cumplicidade. Em tempos de crescimento do discurso de ódio, ela nos mostrou que é possível ser popular, amada e, ainda assim, posicionada — sem abrir mão da ética, da ternura e da combatividade.
Sua trajetória nos convida a refletir também sobre os limites e as possibilidades do Direito. Em uma sociedade desigual, o Direito não pode ser apenas um instrumento de formalização. Ele precisa ser ferramenta de reparação. Preta denunciava, por exemplo, o uso do corpo feminino como mercadoria, mas também o silenciamento legal de identidades marginalizadas.
Ela nos mostrou, com sua vida, que o jurídico precisa dialogar com a realidade vivida. Que lutar por direitos não é apenas fazer petições ou defender causas em tribunais. É, sobretudo, provocar mudanças sociais. E o Direito, enquanto campo de poder e disputa, precisa ser atravessado por vozes como a dela — vozes plurais, afetivas, insurgentes.
A perda de Preta Gil deixa um vazio, mas também um chamado. Ela nos deixou um legado de coragem e autenticidade. Cabe a nós, agora, dar continuidade a essa história — não com nostalgia, mas com ação. Transformar dor em potência. Fazer do luto, luta.
Enquanto advogados, ativistas, juristas, cidadãos — e sobretudo enquanto pessoas LGBTQIAPN+ — temos o dever de manter vivas as sementes que ela plantou: de acolhimento, de justiça, de amor radical. Porque, como Preta ensinou, o amor também é um ato político.
Em sua homenagem, não basta a memória. É preciso continuidade. Continuar dizendo “sim” à diversidade, ao afeto, à liberdade. Continuar denunciando opressões e ocupando espaços de decisão. Continuar sonhando, lutando e vivendo com a ousadia que ela nos ensinou.
*Ronaldo Piber é advogado e colunista do Jornal Pimenta Rosa





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