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Quando a Terra Plana Capota

  • Eduardo Papa
  • 30 de mar.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 31 de mar.

“Meu mundo caiu...E me fez ficar assim...Você conseguiu...E agora diz que tem pena de mim.”

Maysa Matarazzo, 1958


Felipe Mendes - Geógrafo, ilustrador e autor do livro "O Coletor de Histórias"
Felipe Mendes - Geógrafo, ilustrador e autor do livro "O Coletor de Histórias"

Por Eduardo Papa*

 

Nos últimos anos, milhões de brasileiros foram às ruas em fervor patriótico, multidões inundaram nossas principais cidades como um mar verde e amarelo, sinceramente imbuídas do desejo de melhorar o país. Lideradas por um mito, visto como o único homem capaz de romper a teia malévola, tecida por esquerdistas degenerados, que enredava a nação pela corrupção e dissolução moral. Domingo retrasado, menos de vinte mil pessoas se reuniram para assistir Bolsonaro, em desespero de causa, implorar por anistia. Um magote de pessoas desestimuladas e em clima de fim de festa, segundo o professor João Cezar de Castro Rocha, que com sacrossanta paciência tem se dedicado a acompanhar esses eventos.

 

Acabou? Será o fim daquilo que foi o sonho de uns e pesadelo de outros? Na verdade o processo ainda não terminou de fato, o julgamento no STF mal começou e os golpistas ainda tentam reverter o quadro em uma última cartada, buscando um improvável apoio do Tio Sam. Porém, nem é preciso tanta experiência no manejo de gado para saber que “a vaca foi para o brejo”, o julgamento dos golpistas exporá as vísceras de uma trama sórdida para usurpar o poder e terminará com pesadas condenações para os réus. Um duro revés no processo de ascensão da extrema direita no Brasil, mas para saber se a prisão de Bolsonaro e seus asseclas será um golpe fatal, ou se o núcleo duro do fascismo terá resiliência para reagrupar-se e manter a influência conquistada, o caminho é especular sobre o efeito da derrota para os envolvidos no processo.

 

Não falamos é claro da massa dos apoiadores, que é na verdade o espólio em disputa pelos grupos políticos e econômicos que embarcaram no projeto do golpe. Afora um segmento fanatizado, desses tipos que procuram comunistas debaixo da cama e acreditam na existência da mamadeira de piroca, a imensa maioria dos órfãos do bolsonarismo deve adotar a posição de defesa do homem apolítico, que descrevi na coluna da semana passada. Um contingente de milhões de brasileiros do qual, infelizmente, pode se esperar qualquer coisa: já acreditaram que o senhor de engenho Collor de Melo era o caçador de marajás; já identificaram como seu mito e salvador da pátria o deputado mais improdutivo da história do Congresso Nacional, que notabilizava-se apenas pelo ridículo. O que mais virá? Infelizmente o prognóstico parece sombrio, pois o aprofundamento constante da precariedade na educação oferecida ao povo, aliada a atuação agressiva e invasiva das redes sociais na vida da maioria das pessoas, descortinam um cenário de futuro pouco animador.

 

Como saber para onde vai a massa? É a pergunta de um milhão de dólares, em um jogo volátil, que está longe de uma decisão. O que nos resta, no momento, é analisar a posição dos principais grupos políticos e segmentos econômicos que sustentaram o bolsonarismo, e seriam os beneficiários do golpe, a saber:

 

O mercado, nome simpático pelo qual o capital financeiro monopolista costuma referir-se a si próprio. A turma da Faria Lima já vinha nadando de braçada desde o impeachment da Dilma, acumulando lucros crescentes com a dívida pública, dividendos da Petrobrás, privatizações, retirada de direitos trabalhistas e previdenciários, isenções fiscais, etc. Uma festa! Não que a atual política econômica do Ministro Haddad os prejudique, mas o apetite da banca é voraz e sua posição não muda: irão continuar usando a imprensa, que está toda sob seu controle, para manter o governo em uma posição de fraqueza; farão tudo para garantir que o congresso no qual possuem grande influência, não aprove propostas que limitem seus lucros ou aumentem despesas que não os beneficiem; e continuarão a lutar incessantemente pelo aprofundamento de sua agenda ultraliberal em todos os setores da sociedade. Certamente não teriam o menor pudor em apoiar novamente a proposta de uma ditadura, pois a consubstanciação de seu projeto para a sociedade depende do caos e de uma destruição semelhante a que Milei e Trump estão a impor em seus países.

 

O agronegócio, também um apelido chique para o latifúndio exportador, encastelado no poder desde os tempos coloniais, foi outro que entrou de cabeça no apoio ao bolsonarismo. Especialistas, desde o Império, em entregar anéis para não perder os dedos, os “coronéis” preservam seu poder há séculos, demonstrando forte tendência em apoiar golpes militares: na crise da abolição apoiaram a quartelada de Deodoro que fundou a república e nossa primeira ditadura militar; em 1964 foram uma das principais bases de apoio da ditadura, que enterrou a proposta de reforma agrária, junto com os corpos dos membros das Ligas Camponesas chacinados em todo o país. Esse setor também nada perdeu, o latifúndio apoiou com afinco o golpe, financiando os acampamentos nos quartéis, promovendo bloqueios nas estradas, garantindo apoio incondicional e entusiástico de seus representantes no congresso e saiu mais ou menos incólume das investigações. Os “coronéis” preservaram seu mandonismo local, baseado nos mesmos currais eleitorais e tropas de jagunços que utilizam desde sempre e seu poder foi na verdade ampliado pelo “orçamento secreto”, expediente através do qual abocanharam parte significativa do orçamento público. Não há dúvida de que seu DNA escravocrata os mantém como apoiadores em potencial de qualquer golpe contra os interesses populares.

 

Igrejas neopentecostais, talvez os maiores ativistas na sociedade em prol do golpe militar, pastores como Edir Macêdo, Malafaia e tantos outros fizeram do púlpito palanque político, empenhados ao extremo em seu projeto de poder, que seria exponencialmente turbinado em uma ditadura “terrivelmente evangélica.” Estão sofrendo o revés mais que os citados anteriormente, pois colocaram a cara abertamente em defesa da ruptura institucional, deixando clara sua promiscuidade com o poder secular e a sua associação com o que há de mais reacionário e antipopular na sociedade brasileira, e que se volta justamente contra os interesses primários de seus fiéis. Muito embora de fora possa parecer que a fidelidade dos crentes para com seus pastores é de natureza canina, a insistência quase histérica de um Silas Malafaia em continuar apoiando Bolsonaro, por exemplo, é indício de que há problemas na coesão de suas bases, criados pela adesão ao espectro golpista, que tão zelosamente incutiram em suas congregações e choca-se com a natureza de defesa da ordem e da autoridade, característica das instituições que lideram. Talvez isso não vá desacelerar muito a escalada de crescimento dessas Igrejas, mas a fatura existe e tem que ser paga.

 

Esses segmentos, bem como outros de menor relevância, como, por exemplo, as forças policiais e o setor de segurança privada, na qual vicejam milícias paramilitares (especialmente significativas no Rio de Janeiro), embora engajados claramente com a tentativa de golpe, não serão afetados tão radicalmente pelo fracasso da intentona quanto seus principais patrocinadores, os militares, que seriam os maiores beneficiários diretos do golpe e saíram como os grandes derrotados no processo. As consequências do fracasso da quartelada foram de tal magnitude para o estamento militar, que sua análise não cabe mais aqui, merecendo um artigo especialmente dedicado a elas, que prometo para a próxima semana.


 

*Eduardo Papa - Colunista, professor, jornalista e artista plástico (www.mosaicosdeeduardopapa.com)

 
 
 

תגובה אחת


tukemariano
30 במרץ

ERRATA: No 1°§, em lugar de "...domingo retraÇado...", leia-se ...domingo retraSado...

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