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A intolerância religiosa e a ameaça à diversidade cultural no Brasil

  • Foto do escritor: Pimenta Rosa
    Pimenta Rosa
  • 31 de mar.
  • 7 min de leitura

Em entrevista, o professor e Babalawô Ivanir dos Santos analisa o caso de Mãe Zeneida de Navê, a perseguição a sua obra infantil e os impactos do fundamentalismo religioso na educação e na diversidade cultural do país.




Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado uma crescente escalada de ataques contra as religiões de matriz africana e outras expressões culturais que não se enquadram na hegemonia cristã conservadora. O caso mais recente envolve a escritora Zeneida Lins Azevedo, cuja obra infantil 'Meu Terreiro, Meu Axé' foi alvo de uma ofensiva liderada pela vereadora Sofia Andrade (PL), em Porto Velho. Alegando que o livro promove "atividades de cunho religioso" em escolas municipais, a parlamentar defendeu um projeto de lei que impõe a exigência de autorização prévia dos pais para a participação de crianças em eventos escolares relacionados à diversidade religiosa e cultural.

Em meio a essa polêmica, diversas entidades e representantes da comunidade afro-brasileira manifestaram repúdio à tentativa de censura e criminalização da cultura de matriz africana. Para aprofundar essa discussão, entrevistamos o professor e Babalawô Ivanir dos Santos, uma das principais vozes na luta contra a intolerância religiosa e defensor dos direitos humanos há mais de quatro décadas. Pós-doutor e orientador no Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ, ele também é interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) e tem se dedicado a promover a laicidade do Estado e o respeito à diversidade.

Na entrevista a seguir, Ivanir dos Santos analisa os impactos do caso de Mãe Zeneida e do PL nº 4.752/2025, refletindo sobre os desafios e caminhos para garantir a liberdade religiosa e a valorização da cultura afro-brasileira no Brasil.



Como o senhor avalia o caso da escritora Mãe Zeneida de Navê e a campanha de intolerância religiosa promovida contra ela e sua obra?

Primeiro, temos que deixar evidente que o livro não trata de religião, o livro trata de uma experiência dentro de um terreiro para aplicar a Lei 10.739, para a criança. A criança gosta de histórias lúdicas. Então, se trata de aplicação da Lei 10.739 no ensino fundamental, principalmente nas primeiras séries, para criança. O que se trata aí é de história e de culturas africanas, histórias e culturas afro-brasileiras. Não se trata de religião. O que me chama a atenção é que essas mesmas lideranças religiosas não se insurgem contra a escola, que fala abertamente em várias áreas do ensino, em várias matérias, sobre a mitologia grega e também se fala da história romana, obviamente se está falando de culturas, tanto grega como romana, pagãs. E, no entanto, você não vê esse tipo de reação como você tem tido com relação às culturas e à história dos africanos e dos afro-brasileiros

 

A literatura infantil tem sido uma ferramenta poderosa na formação de uma sociedade mais plural e inclusiva. De que maneira obras como "Meu Terreiro, Meu Axé" contribuem para esse processo?

É muito importante que as crianças tenham acesso à diversidade, tanto que as crianças mesmo não reagiram. Criança não nasce racista, não nasce intolerante. Ela aprende a intolerância na família e aprende a intolerância também, às vezes, em algumas escolas dominicais, no espaço religioso, e ela traz isso para dentro da escola. Se a escola é laica e ela tem que primar pela democracia e pela diversidade, é muito importante que essa criança tenha acesso à diversidade cultural, histórica e social que existe no país. Ali é o lugar que tem que se tratar desse tema e isso fortalece, inclusive, a própria sociedade brasileira, que é uma sociedade diversa. Eu acredito que a aplicação da lei ela é muito importante e a lei foi capturada por esses grupos como se fosse uma lei religiosa e não é. Religiosa é o que eles fazem de proselitismo dentro do ambiente escolar. Observa os conjuntos de legislações que tem existido que obriga a isso.


A vereadora Sofia Andrade argumenta que "o Estado é laico, mas eu sou cristã". Como o senhor interpreta essa declaração dentro do contexto da laicidade do Estado e do respeito às diversas manifestações religiosas?

Primeiro que ela devia usar isso, inclusive, para poder ver as professoras que obrigam seus alunos a fazer uma oração antes das aulas e também professores que falam de versículos dentro da igreja, fora aqueles que fazem proselitismo religioso. Nessa hora, o Estado não tem que ser laico? O Estado não tem que ser laico quando entra a cultura afro-brasileira brasileira, ou mesmo a cultura católica, porque esse mesmo pensamento é o pensamento que é contra as festas de São João, são festas culturais que existem no ambiente escolar. É disso que se está falando. O que é laicidade para ela? É hegemonia cristã no ambiente escolar ou é a diversidade que contemple a diversidade religiosa que existe no nosso país? E culturais. Volto a dizer, não se falou ali de religião, está se falando de cultura e história assim como a indígena, assim como a história do antissemitismo deve ser contada, a do islamofobia, e eles são contra. Então que laicidade é essa? A escola vai tratar de outros temas que não tem a ver com essa cultura hegemônica e mais do que isso, com esse pensamento inclusive fundamentalista, então você reivindica a laicidade onde você não respeita?


O Projeto de Lei nº 4.752/2025 propõe a exigência de autorização prévia dos pais para atividades de cunho religioso nas escolas. Qual o impacto de propostas como essa para a educação e para a cultura afro-brasileira?

Observa que por trás desta desta lei dela está justamente uma hegemonia que alguns setores evangélicos que tem, não só de impedir os alunos de ter acesso a outras histórias, inclusive da afro-brasileira, tem a ver justamente com isso, mas não é o lado contrário, quando se fala da questão do protecionismo religioso que existe dentro das escolas hoje, que é uma realidade. Não só perpetrado por pressão de familiares ou até de pastores, e ligado à política, como é esse caso. Esse caso muito bem mostra articulação entre religião e política para defender os interesses próprios, e que não tem a ver com diversidade nem com a laicidade do Estado, mas impor a sua doutrina. E, obviamente, é um prejuízo enorme para as outras culturas ou outras narrativas históricas e culturais, que não têm a ver com essa visão cristã conservadora. Volto a dizer: sofrem com isso também os católicos. Você têm católicos hoje que têm problema sério quando você vai tratar das festas juninas na escola, ou em alguns municípios, como vimos agora na questão do próprio carnaval. No próprio carnaval você viu isso nitidamente. Existe uma imposição política que cresce no Brasil, e nós temos que estar atentos, de impor um Estado confessional e uma sociedade confessional. Isso é o caminho para o fascismo. Não tem a ver com respeito à diversidade, nem à democracia, nem à laicidade do Estado.

 

Casos como esse demonstram que a intolerância religiosa ainda é um grande desafio no Brasil. Quais são os principais avanços e desafios que o senhor percebe na luta contra o racismo religioso no país?

Nós temos que estar atentos que existe um projeto político, social, econômico e cultural que cresce cada vez mais na sociedade brasileira, que é o risco para a democracia. Esses grupos não só têm a ver com a fé, está além da fé. Eles têm um projeto político, cultural, social e econômico. O gospel é uma questão econômica. Então, ao bater em qualquer outra possibilidade, veja o que o teatro sofre, o que a escola de samba sofre, o que a congada sofre, o que o jongo sofre, tudo aquilo que expressa uma questão cultural de diversidade, onde tinha origem negra ou africana, uma questão da própria pajelança, uma série de outros que os indígenas têm sofrido, tem um caso de reza queimado, é contrário a esse projeto político. É evidente que ele está em marcha no Brasil. Nós não queremos excluí-los. Nós queremos, pelo contrário, incluí-los no debate sobre democracia e o Estado laico e o respeito a diversidade. É isso que nós queremos: Estado democrático de direito. Isso eles não querem. A contradição disso tudo, que a laicidade construída justamente pelos reformados, pelos protestantes reformados. Essa é uma contradição. Então, eles tentam capturar, foi o que fizeram com a escritora, elas tentam capturar como se ela foi lá ensinar a religião, mas não foi isso que ela foi fazer. Ela foi fazendo uma experiência cultural a partir de um território, que é os terreiros,e eles trazem toda a sua doutrina, que tem dentro da igreja, para dentro da escola e acho que isso é normal. Isso é um perigo, nós temos que estar atentos que isso é um projeto político e que cabia para o fascismo religioso. E obviamente é um prejuízo para todas as culturas, não só as culturas afro-brasileiras e africanas, mas também para o próprio islamismo, quer dizer, para o budismo, isso faz crescer o antissemitismo, todos nós sabemos disso, basta ver como é que tem crescido a nossa sociedade brasileira, e ao mesmo tempo outros grupos que não são eurocêntricos, que não têm uma identidade eurocêntrica, todos vão sofrer com o crescimento desse pensamento na sociedade brasileira. Nós temos que dar um basta nisso.

 

Diante desse cenário de ataques às religiões de matriz africana, quais caminhos podem ser trilhados para garantir maior respeito e valorização da diversidade religiosa no Brasil?

Temos que continuar caminhando, né? Eu sempre digo, a nossa caminhada em Copacabana, que é a caminhada, a gente se entende, onde vários grupos religiosos têm se estabelecido. E dialogar com o maior número possível de pessoas da sociedade brasileira. A sociedade tem que entender que, embora do ponto de vista religioso, nós somos minoria, mas do ponto de vista cultural, não. Somos uma dos fortes pilares da identidade do brasileiro. Basta ver o que aconteceu agora com as escolas de samba ou quando você viaja para fora do Brasil, o maior símbolo que existe ou é o samba ou é a capoeira.São símbolos que vêm das africanidades brasileiras. Então, temos que continuar caminhando juntos, mas combater a intolerância religiosa, o racismo, a misoginia e a homofobia. Tem que ficar claro que isso é crime, isso não é religião. Isso é crime, isso tem a ver com comportamento social. Se você quer falar isso pro seu grupo você tem todo o direito de falar isso pro seu grupo, mas agora você usar isto pra perseguição, que é justamente que esses pastores políticos estão fazendo, temos que deixar essa denominação muito bem definida: são pastores políticos conservadores, mas não são conservadores que tem outro tipo de interesse, que não tem a ver com interesse apenas de proteção de suas pertenças religiosas, mas sim de impor um comportamento ao conjunto da sociedade brasileira. Isso não é bom para nenhum grupo no país. A gente já viu que a igreja foi Estado, e eles mesmos sofreram essa questão quando a igreja foi Estado na Colônia e no Império. E nós sabemos que toda vez que junta religião de uma forma conservadora, de perseguição, vai ver atitudes fascistas, racistas e misóginas como essa.

 
 
 

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