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A NR-1 e a população LGBTQIAPN+: saúde, segurança e dignidade no ambiente de trabalho

  • Foto do escritor: Ronaldo Piber
    Ronaldo Piber
  • 13 de nov.
  • 4 min de leitura
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*Ronaldo Piber


A atualização da NR-1 (Norma Regulamentadora nº 1), publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e em vigor desde maio de 2025, representa uma das mais amplas mudanças recentes na política de Saúde e Segurança no Trabalho (SST) no Brasil. Pela primeira vez, a norma incorpora de forma explícita os riscos psicossociais ao Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), reconhecendo que a saúde ocupacional depende não apenas das condições físicas do ambiente, mas também do equilíbrio emocional, social e mental dos trabalhadores.


Essa mudança tem importância especial para a população LGBTQIAPN+, historicamente sujeita a discriminações, invisibilidade e exclusão no ambiente profissional. A nova norma traz respaldo legal para que esses fatores, antes considerados apenas “comportamentais”, passem a ser tratados como riscos ocupacionais formais, que devem ser prevenidos, monitorados e corrigidos.


O que diz a nova NR-1

A NR-1 estabelece os princípios gerais que orientam todas as demais Normas Regulamentadoras. Sua última atualização, pela Portaria MTE nº 1.419/2024, determina que as empresas incluam no inventário de riscos ocupacionais os chamados fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho.


Entre esses fatores estão:

  • sobrecarga de trabalho e jornadas excessivas;

  • metas abusivas e insegurança no emprego;

  • assédio moral ou sexual;

  • discriminação, exclusão social e isolamento;

  • ausência de apoio de chefia e comunicação deficiente;

  • falta de reconhecimento ou de perspectivas de crescimento.


A norma obriga as empresas a mapear esses riscos, avaliá-los e adotar medidas de prevenção documentadas em seu Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). O prazo para adequação plena é maio de 2026, com um período inicial de caráter educativo, durante o qual o foco da fiscalização é orientativo. A partir de 2026, as autuações e multas passarão a valer integralmente.


Por que essa mudança afeta especialmente a população LGBTQIAPN+

Ao reconhecer os riscos psicossociais, o Estado brasileiro amplia a noção de segurança e saúde no trabalho para incluir também as formas de violência simbólica e estrutural que afetam grupos minorizados. Para trabalhadores LGBTQIAPN+, isso significa que situações de discriminação, assédio, apagamento ou exclusão deixam de ser vistas apenas como “problemas de convivência” e passam a exigir ações institucionais concretas.


De acordo com o Censo 2022 do IBGE, há 391.158 domicílios formados por casais do mesmo sexo no país — um aumento de 552% em relação a 2010. Apesar da maior visibilidade social, a realidade do mercado de trabalho ainda é marcada por desigualdade.


Uma pesquisa do Centro de Estudos de Políticas Públicas LGBTQIA+ da UFMG (2023) mostrou que 41% das pessoas LGBTQIAPN+ já sofreram algum tipo de discriminação no trabalho. Dentre elas, 23% relataram ter sido alvo de piadas ou insultos, 12% foram preteridas em promoções e 6% afirmaram ter sido demitidas após se assumirem.


A Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que pessoas LGBTQIAPN+ têm o dobro de risco de desemprego e três vezes mais chance de sofrer assédio moral em relação a trabalhadores cis-heterossexuais. Já a ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) estima que 62% das pessoas trans nunca tiveram emprego formal, e metade das que ingressam no mercado acabam desistindo por causa de ambientes hostis ou pela ausência de respeito à identidade de gênero.


Esses dados revelam que a discriminação não é apenas uma questão social, mas também um problema de saúde pública e de segurança no trabalho. A NR-1, ao reconhecer tais situações como riscos psicossociais, transforma essa realidade em objeto de política institucional obrigatória.


O que as empresas precisam adequar

A atualização da NR-1 exige uma revisão completa das práticas de gestão de pessoas e de SST. Entre as medidas fundamentais estão:


Inclusão dos riscos psicossociais no inventário de riscos

É preciso mapear fatores ligados à discriminação, assédio moral, isolamento social, desigualdade de tratamento e exclusão de grupos vulneráveis, incluindo LGBTQIAPN+, mulheres, pessoas negras e com deficiência.


Revisão do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR)

O programa deve contemplar políticas de diversidade, protocolos contra assédio, campanhas educativas e canais de denúncia acessíveis e seguros. Avaliações de clima organizacional devem incluir perguntas sobre pertencimento, respeito e segurança psicológica.


Capacitação de lideranças e equipes

A norma reforça a obrigação de capacitar gestores e profissionais de RH em temas de diversidade, comunicação não violenta e promoção de saúde mental, a fim de prevenir comportamentos discriminatórios e melhorar o suporte às vítimas.


Documentação e rastreabilidade

Todas as medidas devem ser registradas e arquivadas digitalmente. Os treinamentos, campanhas e avaliações precisam ter comprovação formal, passível de auditoria trabalhista.


Monitoramento e melhoria contínua

A empresa deve avaliar periodicamente seus indicadores de saúde mental, absenteísmo, rotatividade e denúncias de assédio, promovendo ajustes conforme os resultados.


Saúde mental, pertencimento e produtividade

A OIT e a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhecem que a discriminação e o preconceito estão entre os principais fatores de adoecimento mental no trabalho. Estudos mostram que trabalhadores que enfrentam hostilidade ou invisibilidade têm maiores taxas de ansiedade, depressão e síndrome de burnout.


O Anuário de Saúde Mental no Trabalho 2024, elaborado pela DataPrev, indica que empresas com políticas efetivas de diversidade e inclusão registram redução de até 35% nos afastamentos por transtornos mentais. A consultoria McKinsey & Company (2023) reforça que equipes diversas e acolhedoras apresentam 21% mais produtividade e maior estabilidade de vínculos.


Portanto, mais do que uma obrigação legal, a adequação à NR-1 é um investimento em saúde organizacional, sustentabilidade empresarial e valorização humana.


Um novo conceito de segurança

A atualização da NR-1 marca uma transição histórica: da visão restrita de segurança física para uma abordagem integral de saúde e dignidade.


Para a população LGBTQIAPN+, ela oferece respaldo jurídico e institucional para reivindicar ambientes de trabalho mais humanos, onde a identidade e a expressão pessoal sejam respeitadas.


Para as empresas, representa a oportunidade de transformar o discurso de diversidade em prática real, consolidando culturas corporativas pautadas em ética, empatia e inclusão.


Mais do que proteger corpos, a nova NR-1 protege histórias, afetos e existências. É um passo importante para que o trabalho no Brasil seja, de fato, um espaço de realização — e não de medo.


Um ambiente saudável é aquele onde se pode respirar sem medo — inclusive o medo de existir.



*Ronaldo Piber é advogado e colunista do Pimenta Rosa



 
 
 

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