Adultização infantil e infância LGBTQIA+: o alerta de Felca e o dever coletivo de cuidado
- Ronaldo Piber
- 21 de ago.
- 3 min de leitura

Ronaldo Piber*
No início de agosto de 2025, o influenciador Felca (Felipe Bressanim Pereira) lançou o documentário “Adultização”, que rapidamente ultrapassou dezenas de milhões de visualizações. O filme denuncia a exploração de crianças nas redes sociais, transformadas em produtos de engajamento sob tutela de familiares e influenciadores, numa lógica que erosiona a infância, um espaço de proteção, experimentação e afeto.
O que é “adultização”?
Adultização ocorre quando crianças são expostas a práticas, estéticas ou responsabilidades inerentes à vida adulta, como hipersexualização, encenação de papéis sociais ou pressão econômica para manter canais digitais. Felca também chamou atenção para o suposto “algoritmo P”, que prioriza conteúdos com menores em contextos sugestivos, institucionalizando a exploração digital — num ciclo em que tecnologia e prejuízo emocional se alimentam mutuamente.
Consequências sociais e jurídicas
A repercussão foi imediata: canais foram suspensos, influenciadores investigados e até detidos — como Hytalo Santos. Na arena política, surgiram projetos de lei apelidados de “Lei Felca”, com o objetivo de regular conteúdos infantis. Mas a pergunta que permanece é: proteção ou consumo de infância?
A face invisível: crianças LGBTQIA+
Crianças e adolescentes LGBTQIA+ enfrentam riscos ampliados pelo processo de adultização:
Negação da vivência autêntica: pressão para performar papéis heteronormativos que suprimem sua identidade genuína.
Hipersexualização e discriminação: meninas trans e não-binárias são frequentemente percebidas como adultas, tornando-se alvo de assédios e violências.
Fragilidade na saúde mental: segundo dados globais, jovens LGBTQIA+ têm taxas de tentativa de suicídio e ideação suicida significativamente maiores. Um estudo brasileiro indicou que 62,5 % de pessoas LGBTQIA+ já pensaram em suicídio ([Wikipédia][1]). Estima-se que jovens rejeitados pela família têm 8,4 vezes mais chances de tentar o suicídio; adolescentes lésbicas, gays e bissexuais até cinco vezes mais que heterossexuais ([Fundo Brasil][2]).
Violência e letalidade: entre 2016 e 2017, 41,2 % dos assassinatos de pessoas LGBT no Brasil ocorreram com vítimas menores de 18 anos ([publicacoesacademicas.uniceub.br][3]). Em 2024, foram 291 mortes violentas motivadas por LGBTfobia — um aumento de 8 % em relação a 2023 ([Brasil de Fato][4]).
Saúde mental geral dos jovens brasileiros: transtornos mentais afligem 17,1 % dos adolescentes entre 10 e 19 anos ([Gazeta do Povo][5]); o suicídio é a terceira maior causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 na América Latina ([Gazeta do Povo][5]).
Impacto no Brasil: violência e riscos suicidas
Entre as crianças e adolescentes de 5 a 14 anos, o suicídio foi a 11ª causa de morte no Brasil; entre os de 15 a 19 anos, a 3ª causa ([Serviços e Informações do Brasil][6]).
Em 2022, houve 1.194 suicídios entre crianças e jovens — número ainda maior do que no ano anterior ([Instituto PENSI][7]).
Do total de homicídios contra menores entre 2009 e 2019, 76 % das vítimas eram negras e 93 % do sexo masculino — evidência brutal de desigualdade e vulnerabilidade ([fadc.org.br][8]).
Casos emblemáticos ilustram o entulho da adultização
Felca destacou casos reais:
Kamylinha, envolvida em performances digitais desde os 12 anos.
O canal Bel Para Meninas, com conteúdo perigoso e inapropriado.
Influenciadores que exportam a infância das crianças ao enviar filhos para gravações no exterior, como estratégia de visibilidade.
Esses casos simbolizam como a infância é utilizada como mercadoria emocional e econômica.
O dever coletivo de cuidado
É urgente construir mecanismos integrados que protejam a infância LGBTQIA+:
1. Educação digital crítica: ensinar crianças e responsáveis a reconhecer riscos e limites, com enfoque na diversidade.
2. Políticas públicas afirmativas: legislações que incluam protocolos específicos para crianças LGBTQIA+, reconhecendo suas necessidades distintas.
3. Responsabilização das plataformas digitais: exigir que os algoritmos priorizem segurança sobre engajamento.
4. Espaços de acolhimento e representação: promover ambientes cultural e educacional seguros, com narrativas diversas e inclusivas.
5. Saúde mental acessível: ampliar serviços psicológicos gratuitos e especializados — como o projeto PsiTá‑On da ONG Arco, que já ofereceu mais de 300 sessões online gratuitas para pessoas LGBTQIAP+ e negras ([UNICEF][9], [Wikipédia][10]).
Conclusão
Felca expôs um fenômeno que muitos preferiam ignorar: a infância transformada em produto. Para crianças LGBTQIA+, esta exploração soma-se à homofobia, invisibilidade e invisibilização. Proteger a infância significa permitir que meninos, meninas, trans e não-binários vivam sua autenticidade com tempo, afeto e segurança. A infância não pode ser mercadoria — e proteger isso é nosso dever mais urgente.
*Ronaldo Piber é advogado e colunista do Pimenta Rosa
Fonte bibliográfica:
[1]: https://pt.wikipedia.org/wiki/Suic%C3%ADdio_entre_jovens_LGBT?utm_source=chatgpt.com "Suicídio entre jovens LGBT"
[2]: https://www.fundobrasil.org.br/blog/a-lgbtfobia-no-brasil-os-numeros-a-violencia-e-a-criminalizacao/?utm_source=chatgpt.com "A LGBTFobia no Brasil: os números, a violência e ..."
[3]: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/rbpp/article/download/5720/pdf?utm_source=chatgpt.com "Direito, saúde e suicídio: impactos das leis e decisões ..."
[4]: https://www.brasildefato.com.br/2025/01/18/brasil-teve-quase-300-mortes-violentas-por-lgbtfobia-em-2024/?utm_source=chatgpt.com "Brasil teve quase 300 mortes violentas por LGBTfobia em ..."
[5]: https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/quais-sao-as-causas-do-aumento-do-suicidio-entre-jovens-nos-eua-e-as-licoes-para-o-brasil/?utm_source=chatgpt.com "Causas do suicídio entre jovens nos EUA e as lições para ..."
[6]: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/edicoes/2024/boletim-epidemiologico-volume-55-no-04.pdf?utm_source=chatgpt.com "Boletim Epidemiológico"
[7]: https://institutopensi.org.br/o-suicidio-entre-criancas-e-jovens-esta-aumentando-o-que-voce-deve-saber-sobre-isso/?utm_source=chatgpt.com "O suicídio entre crianças e jovens está aumentando"
[8]: https://www.fadc.org.br/sites/default/files/2022-06/um-retrato-da-infancia-e-adolescencia-no-brasil.pdf?utm_source=chatgpt.com "UM RETRATO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA NO ..."
[9]: https://www.unicef.org/brazil/media/16126/file/saude-mental-de-adolescentes-e-jovens.pdf?utm_source=chatgpt.com "SAÚDE MENTAL DE ADOLESCENTES E JOVENS"
[10]: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ong_Arco?utm_source=chatgpt.com "Ong Arco"
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