E o celular do Bacellar?
- Eduardo Papa*
- há 3 horas
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*Eduardo Papa
Na manhã do dia 3 de dezembro, o Presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, deputado Rodrigo Bacellar, dirigiu-se a sede da Polícia Federal na capital fluminense para participar de uma reunião sobre segurança pública. Tratava-se de um estratagema da polícia para executar um mandado de prisão em desfavor do deputado. Certamente os policiais temiam que uma operação organizada para prender uma pessoa tão poderosa poderia vazar, do mesmo modo que a destinada a prender o deputado TH Joias, preso por ligação com o Comando Vermelho. O deputado já está solto, por decisão da maioria de seus pares, mas no ato de sua prisão foram apreendidos R$ 91.000 (quem não sai de casa de manhã com 91 mil na carteira?) e três celulares, cujo conteúdo que está sendo analisado pela PF, tem o potencial de criar um tsunami na política fluminense.
Não é de hoje que o noticiário político do Rio de Janeiro vem migrando para as páginas policiais. No final da ditadura, um rasgo de esperança iluminou o Rio com Brizola e Darcy Ribeiro, depois figuras tenebrosas como Moreira Franco e Sérgio Cabral revezaram-se no Palácio Guanabara, trazendo de volta o velho Lacerdismo, que embalou a classe média carioca nos anos dourados. Com a derrubada de Dilma Roussef e a ascensão do bolsonarismo, as milícias paramilitares, que já dominavam uma extensa área do Grande Rio, disputando com as facções de traficantes o controle territorial e político das áreas periféricas, tomaram grande impulso. Com o governador Witzel (um total desconhecido eleito após sua unção pelo mito) afirmando que a polícia tinha que dar tiro na cabecinha, e promovendo operações policiais sangrentas nas favelas, as milícias foram ampliando progressivamente seus territórios na Zona Oeste e Baixada Fluminense, conquistando áreas tradicionalmente dominadas por traficantes.
Quando tudo indicava que as milícias, recrutadas no submundo das forças de segurança, iriam engolir os traficantes, assumindo suas posições territoriais e seus negócios, o CV começa uma ofensiva poderosa, retomando vastas áreas que haviam sido perdidas. O que mudou? Corta para o Palácio Guanabara: Witzel foi mordido pela mosquinha azul e, neófito na política que comprovou ser, abriu precocemente sua pretensão de concorrer à presidência. Pecado capital! Witzel, durante a pandemia, montou com o Pastor Everaldo (até hoje preso), um esquema de superfaturamento de obras e serviços na Secretaria de Saúde, coisa que seguia o modus operandi do período Cabral. Castro, seu vice, que era alvo da mesma investigação, ganhou o apelido de mochileiro, depois de ser filmado saindo de uma reunião do grupo em um escritório no centro da cidade, portando uma mochila, que, segundo outro investigado, continha cem mil reais.
Witzel caiu em desgraça e foi afastado, porém Castro (outro ilustre desconhecido) foi deixado em paz pelos investigadores e assumiu o governo do Estado, após prestar vassalagem ao mito. Com as “costas quentes” Castro esbaldou-se tal e qual pinto no lixo. Vendeu a distribuição de água no Estado por preço correspondente ao faturamento anual da empresa, e investiu quase tudo em um esquema de empregos secretos na Ceperj, para garantir sua reeleição. Conseguiu no primeiro turno, e partiu para o abraço com os parceiros, como o TH Joias, que com uma votação expressiva, concentrada nas áreas de domínio do CV, ajudou muito o governador. Thiego Raimundo dos Santos Silva deve ter sido muito importante na campanha mesmo, pois ainda que não tenha sido eleito (era segundo suplente com 15.015 votos), acabou ocupando uma cadeira na ALERJ, quando Castro nomeou para secretário o deputado do qual era suplente, que por seu turno ocupou a cadeira após a morte do que foi eleito.
Sortudo o menino Thiego né? Cria do Morro do Fubá chegou a deputado estadual em 2024, após assumir o cargo respaldado por um habeas corpus. Tendo estado preso por nove meses em 2017, acusado de lavagem de dinheiro, suas ligações com o CV eram notórias. Segundo o procurador geral do Rio de Janeiro. Antônio José Campos Moreira, o mandato de TH servia unicamente e exclusivamente para beneficiar a ORCRIM. O deputado é acusado de tráfico de armas e drogas e de ter infiltrado na ALERJ membros do CV. É mais ou menos no período de ascensão de TH Joias que se intensifica a contraofensiva do CV.
A ligação entre Cláudio Castro e TH Joias era tão estreita, que no dia 3 de setembro, três horas após a prisão do deputado, foi publicada uma edição extraordinária do Diário Oficial do Rio, apenas para exonerar Rafael Picciani da Secretaria de Esporte e Lazer, tirando TH da ALERJ, segundo o STF um subterfúgio para impedir a votação da manutenção de sua prisão em plenário. Dois meses após a prisão de TH, quando ganhavam força os rumores que o CV vinha sendo poupado pelas operações policiais, e sendo feita a óbvia correlação com a atuação de TH e do lobby do CV no governo estadual, Castro promove uma chacina no principal baluarte do CV, A operação no Morro do Alemão em 28/10, foi um tremendo espetáculo midiático, a maior matança da história das polícias brasileiras, mas nem arranhou a estrutura e o poder do CV, parece que toda aquela gente foi imolada só para limpar a barra do governador.
Voltemos agora ao dia 3 de dezembro, quando Rodrigo Bacellar foi preso, e apareceu outro brother de fé do TH Jóias, aquele que dividia com ele e Castro espaço nos camarotes do Maracanã para ver o Mengão. Bacellar foi fiel ao companheiro de torcida, na véspera de sua prisão, não só ligou para o amigo para avisar, como supervisionou e orientou a eliminação dos flagrantes e a fuga. Aí surgiu “o capo del tutti capi”! Bacellar é quem manda, nomeia e demite para cargos do executivo e peita Castro quando é contrariado. Cláudio Castro é o governador, mas na ORCRIM o 01 é o todo poderoso Presidente da ALERJ. Uma unanimidade entre seus pares (foi eleito com 100% dos votos na casa), o jovem político oriundo da maior cidade do interior (Campos dos Goitacazes) é um caso de sucesso espantoso, tendo aumentado seu patrimônio declarado em 830%, desde que foi eleito. Habilidoso e com excelente trânsito entre prefeitos do interior e da Baixada Fluminense, Bacellar despontava como candidato natural do bolsonarismo para o Palácio Guanabara, no lugar de Ramagem (foragido e sentenciado).
Os celulares apreendidos com Bacellar estão sendo periciados. Obviamente são material altamente inflamável, capaz de incinerar carreiras de políticos e funcionários, bem como chamuscar amplos setores dos três poderes. O afastamento e a possível prisão de Cláudio Castro, o que já é tratado como favas contadas nos bastidores da política fluminense, pode levar o Rio a uma situação inusitada: o vice governador eleito com Castro, Thiago Pampolha (que tinha tudo para estar no mesmo rolo) renunciou ao cargo para assumir uma cadeira no Tribunal de Contas, o próximo na linha de sucessão é Rodrigo Bacellar, que a essa altura deverá estar preso também, o vice da mesa diretora herdará a presidência da casa, caberia então ao presidente do tribunal de Justiça assumir o governo (a conferir o que vai respingar do imbróglio em nossos egrégios magistrados). E tem mais, se Castro cair ainda no primeiro semestre, tem eleição direta para decidir quem ocupa o cargo até o fim de 2026.
Que baderna! Enquanto os políticos tratam de seus interesses de forma pouco republicana, a saúde, educação e todos os serviços voltados para a população entram em decadência. O mesmo do que podemos ver em Brasília, em que o Congresso ignora solenemente matérias de interesse popular, dedicando prioridade absoluta a manutenção de seus privilégios e garantia de impunidade. Oxalá a Polícia Federal, no processo relatado pelo Ministro Alexandre de Moraes, possa fazer no Rio o mesmo que está fazendo em Brasília, no processo relatado por Flávio Dino, o do “orçamento secreto”. Cariocas e fluminenses merecem ver uma faxina em regra para sanear o ambiente político do Estado.
O problema é que o câncer na política fluminense parece próximo da metástase, é provável que a maioria dos atuais deputados se reeleja, e alguns dos novos devem vir contando com os votos que foram do TH Joias, por exemplo. O governo estadual caminha para ser disputado entre o candidato do bolsonarismo, apoiado pelo Comando Vermelho, e Eduardo Paes, que vem se cacifando para ser o principal líder político do milicianato. Tá tudo dominado! O nome à esquerda que aparecia no horizonte, Glauber Braga, escapou de se tornar inelegível por um triz, após uma chicana de Hugo Motta para prejudicá-lo. Enquanto o PT vai novamente se amesquinhar, em troca da governabilidade para Lula em um possível segundo mandato (igualzinho foi com o Cabral), e o resto da esquerda vai se agarrar em seus nichos do eleitorado para manter o seu cadinho.
*Eduardo Papa - Colunista, professor, jornalista e artista plástico (www.mosaicosdeeduardopapa.com)

