Envelhecer com orgulho: memória, resistência e futuro da população LGBTQIA+ 60+
- Ronaldo Piber
- há 6 horas
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*Ronaldo Piber

Como advogado e colunista do Jornal Pimenta Rosa, tenho acompanhado com atenção os avanços e os desafios que marcam a trajetória da comunidade LGBTQIA+ no Brasil. Neste ano, a 29ª edição da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, marcada para o dia 22 de junho, escolheu um tema de extrema relevância: “Envelhecer LGBT+: Memória, Resistência e Futuro”. Mais do que um mote festivo, essa escolha é um chamado à reflexão e à ação.
Falar sobre envelhecimento na comunidade LGBTQIA+ é tocar em um ponto sensível e muitas vezes negligenciado pelas políticas públicas. Pessoas LGBTQIA+ com mais de 60 anos enfrentam uma dupla vulnerabilidade: a do envelhecimento e a da discriminação histórica por orientação sexual e identidade de gênero. Muitos viveram décadas marcadas pelo preconceito, pela repressão e pela marginalização — e agora, ao envelhecer, lidam com o isolamento, a solidão e a falta de reconhecimento institucional.
Segundo levantamento da ONG Eternamente Sou, cerca de 90% das pessoas idosas LGBTQIA+ afirmam ter vivenciado algum tipo de discriminação ao longo da vida. Além disso, 60% relatam viver sozinhas, e quase metade afirma não contar com rede de apoio familiar. Outro dado alarmante: uma pesquisa da rede All Out em parceria com o coletivo VoteLGBT aponta que 41% das pessoas LGBTQIA+ idosas já deixaram de buscar atendimento em serviços de saúde por medo de discriminação.
Grande parte dessas pessoas envelhece sem o apoio da família biológica, muitas vezes rompida por rejeição. Outras não constituíram redes de apoio afetivo tradicionais, como casamento ou filhos, e encontram nas amizades e nas redes comunitárias sua principal forma de cuidado. No entanto, faltam políticas públicas estruturadas voltadas para essa população. Poucos são os serviços de saúde e assistência social preparados para acolher com respeito e dignidade pessoas idosas LGBTQIA+.
Do ponto de vista jurídico, é fundamental reconhecer o direito ao envelhecimento com dignidade, como previsto no Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/2003), que garante o direito à vida, à liberdade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Mas para a população LGBTQIA+, esses direitos precisam ser reafirmados com base em ações afirmativas, como centros de acolhimento inclusivos, políticas de saúde mental e formação continuada de profissionais da saúde e do serviço social com foco na diversidade.
A Parada deste ano, ao lançar luz sobre a velhice LGBTQIA+, nos convida a valorizar a memória daqueles que resistiram quando amar era crime e existir em público era um risco. São essas pessoas que abriram caminho para que hoje possamos ocupar mais espaços, com mais visibilidade e menos medo. Celebrar essa história é também planejar o futuro: um futuro em que envelhecer sendo LGBTQIA+ não seja um ato de resistência solitária, mas uma experiência coletiva de respeito, cuidado e pertencimento.
É urgente que transformemos esse reconhecimento simbólico em ações concretas. Que os governos municipais, estaduais e federal se comprometam com programas que promovam o envelhecimento digno e inclusivo. Que nossas leis avancem para garantir proteção integral. Que as instituições — públicas e privadas — se abram para essa pauta. E que cada um de nós, como sociedade civil, reconheça o valor de quem chegou até aqui abrindo portas.
A memória é nossa raiz. A resistência, nosso corpo. E o futuro, nossa construção coletiva. Envelhecer com orgulho é um direito. Que ecoe nas avenidas, nas instituições e em cada consciência.
*Ronaldo Piber é advogado e colunista do Jornal Pimenta Rosa