STF e a Licença-Maternidade para Casais Homoafetivos Masculinos: um passo rumo à equidade familiar
- Ronaldo Piber

- 30 de out.
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*Ronaldo Piber
O Supremo Tribunal Federal (STF) irá julgar uma questão de grande impacto social e simbólico: a possibilidade de conceder o período correspondente à licença-maternidade a um dos homens integrantes de um casal homoafetivo que adota uma criança. O caso, que teve repercussão geral reconhecida no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1498231, promete não apenas definir o futuro de um servidor público paulista, mas também servir de marco para o reconhecimento jurídico da paternidade afetiva em sua plenitude, aplicando-se a todos os casos semelhantes no país.
O servidor do Município de Santo Antônio do Aracanguá, que vive em união homoafetiva, teve seu pedido negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). O tribunal argumentou que, por ausência de previsão legal, não seria possível equiparar a licença-paternidade à licença-maternidade, apoiando-se na Súmula Vinculante nº 37, que impede o Judiciário de estender benefícios ou criar vantagens não previstas em lei sob o argumento de isonomia. No entanto, essa leitura restrita ignora o contexto constitucional mais amplo, que inclui a proteção integral da criança, o princípio da dignidade da pessoa humana e a igualdade de todos os núcleos familiares — pilares do Estado Democrático de Direito.
O recurso ao STF questiona justamente essa limitação, argumentando que negar o benefício representa discriminação indireta e violação do princípio da isonomia, já que pais em casais homoafetivos masculinos são impossibilitados de usufruir de um direito que outras famílias — heterossexuais ou formadas por duas mulheres — já podem exercer. Mais do que uma questão administrativa, o debate é sobre igualdade de oportunidades parentais e o reconhecimento pleno da diversidade familiar.
Em seu voto ao reconhecer a repercussão geral, o ministro Edson Fachin lembrou que o próprio STF já admitiu a concessão de licença-maternidade para pais solo, e também reconheceu o direito de casais homoafetivos femininos escolherem qual das mães usufruirá do benefício, inclusive quando a criança nasce por reprodução assistida. O ministro destacou que o caso tem relevância jurídica, política, econômica, social e constitucional, pois trata da proteção da infância e da isonomia entre homens e mulheres, independentemente da configuração familiar.
A expectativa é que o julgamento avance na mesma direção de outros precedentes históricos do STF, como o reconhecimento da união estável homoafetiva (ADPF 132 e ADI 4277) e a possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo. Em todas essas ocasiões, a Corte reafirmou que o conceito de família deve acompanhar as transformações da sociedade, valorizando o afeto, a solidariedade e o cuidado, e não apenas a estrutura biológica ou tradicional.
Sob essa ótica, a licença-maternidade não é um privilégio da gestação, mas uma política pública de cuidado, voltada à adaptação da criança e ao fortalecimento do vínculo parental — algo que deve ser garantido a qualquer família, independentemente de sua composição. Impedir que um dos pais homoafetivos usufrua desse período de convivência é, na prática, negar à criança o mesmo direito de convivência e proteção que outras têm.
Esse julgamento, portanto, extrapola a esfera individual do servidor que recorreu ao STF. Ele coloca em pauta o reconhecimento da paternidade como um exercício de cuidado legítimo e igualitário. Também traz uma reflexão sobre como as instituições públicas ainda resistem em atualizar suas normas diante de novas configurações familiares que, embora amplamente aceitas socialmente, continuam a enfrentar barreiras burocráticas e preconceitos silenciosos.
Caso o Supremo decida pela extensão do benefício, o impacto será duplo: jurídico e social. Juridicamente, abrirá caminho para a equiparação efetiva de direitos parentais entre homens e mulheres, homo ou heterossexuais. Socialmente, reafirmará o compromisso do Estado brasileiro com a pluralidade e a inclusão, reconhecendo que o cuidado não tem gênero e que todas as crianças têm direito ao afeto, à presença e à estabilidade emocional de quem as acolhe.
Em uma sociedade que ainda insiste em colocar o amor em categorias, o STF tem a chance de transformar o princípio da igualdade em prática concreta. Porque, no fim das contas, ser pai ou mãe é um ato de amor — e o amor não cabe em moldes jurídicos, mas deve caber na Constituição.
*Ronaldo Piber é advogado e colunista do Pimenta Rosa





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