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Três décadas de resistência: Marcelo Nascimento e a História Viva do Movimento LGBTQIAPN+ em Alagoas

  • Foto do escritor: Pimenta Rosa
    Pimenta Rosa
  • há 3 horas
  • 6 min de leitura

Ativista pioneiro e atual Secretário de Direitos Humanos do Estado, Marcelo relembra os caminhos que levaram à criação do Grupo Gay de Alagoas, reflete sobre fé, política e militância e celebra o lançamento do livro “Orgulho LGBTQIAPN+: Acervos, memórias e escritas de si – Alagoas (1990–2022)”, obra que marca um novo capítulo na preservação da memória e da luta por direitos.


Fotos divulgação
Fotos divulgação

A história do movimento LGBTQIAPN+ em Alagoas não se escreve sem o nome de Marcelo Nascimento. Advogado, militante histórico e atual Secretário de Estado dos Direitos Humanos, ele é uma das figuras centrais na trajetória de resistência e organização política da população LGBTQIAPN+ no estado. Nos anos 1990, foi um dos fundadores do Grupo Gay de Alagoas (GGAL) — primeira entidade formal voltada à defesa dos direitos da comunidade, nascida em meio a um contexto de violência, conservadorismo e silenciamento.

Três décadas depois, Marcelo retorna à cena como um dos organizadores do livro “Orgulho LGBTQIAPN+: Acervos, memórias e escritas de si – Alagoas (1990–2022)”, ao lado do professor e pesquisador Elias Veras e da jornalista e roteirista Cíntia Ribeiro. A obra, publicada pela Imprensa Oficial Graciliano Ramos com apoio das Secretarias de Estado de Direitos Humanos (Sedh) e de Planejamento, Gestão e Patrimônio (Seplag), será lançada no dia 31 de outubro, às 19h, durante a Bienal Internacional do Livro de Alagoas, no Auditório 1.

Com 714 páginas, o livro representa um marco na história contemporânea alagoana ao reunir documentos, acervos e narrativas de quem construiu — e continua construindo — o movimento LGBTQIAPN+ no estado. Resultado de um extenso trabalho de pesquisa desenvolvido entre 2021 e 2022 pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Gênero e Sexualidade (GEPHGS/UFAL), a publicação faz um percurso de mais de trinta anos, desde a criação do GGAL em 1997 até as redes de ativismo da atualidade.

Pioneiro, o livro combina rigor acadêmico, escuta sensível e compromisso político. Ao registrar histórias silenciadas e atravessadas pela violência da LGBTQIAPN+fobia — como o assassinato do vereador Renildo José dos Santos, em 1993 —, a obra oferece um retrato plural das lutas, afetos e conquistas que moldaram o movimento em Alagoas. Para os organizadores, trata-se de um gesto de reparação histórica e simbólica, que inscreve o estado no mapa nacional das lutas por cidadania e dignidade.

“Não é uma história única, mas uma cartografia afetiva, feita de muitas vozes e experiências”, afirmam os organizadores. É também uma homenagem aos que resistiram e abriram caminhos — como lembra Marcelo Nascimento, para quem o livro é “mais que uma publicação: é um ato político de resistência e pertencimento, um legado que democratiza o acesso à memória e à informação, devolvendo visibilidade a corpos e vozes historicamente interditados”.

Em entrevista exclusiva ao Pimenta Rosa, Marcelo revisita sua trajetória — das comunidades eclesiais de base à militância política — e reflete sobre fé, identidade e direitos humanos, destacando a importância da memória como instrumento de luta e continuidade entre as gerações.



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O livro “Orgulho LGBTQIAPN+: Acervos, memórias e escritas de si” revisita mais de três décadas de história. Como foi, para você, testemunhar e participar da construção desse movimento em Alagoas desde os anos 1990?

Eu havia retornado do seminário católico salesiano em Recife, onde vivi parte da minha juventude. Nesse período, a Teologia da Libertação e as comunidades eclesiais de base ganhavam força, e me identifiquei imediatamente com essa vertente progressista da Igreja. Trabalhei em ações comunitárias no interior de Pernambuco e em Recife, até que, diante de fortes tensões internas e do conservadorismo da instituição, decidi deixar o seminário em 1993.Coincidentemente, foi o mesmo ano em que o vereador Renildo José dos Santos, de Coqueiro Seco, foi brutalmente assassinado e esquartejado após se declarar bissexual. Esse episódio marcou profundamente minha volta a Alagoas e reforçou a necessidade de organização e articulação da população LGBTQIAPN+ local.Com amigos de diferentes áreas — um jornalista, um bancário, um economista, um professor — fundamos o Grupo Gay de Alagoas, em 1995, oficializado em cartório em 1997. Foi a primeira organização de defesa dos direitos LGBTQIAPN+ do estado. Desde então, o grupo protagonizou lutas por justiça, como no caso Renildo, e contribuiu para importantes conquistas políticas e legais. Foi um tempo de muito enfrentamento, mas também de construção e esperança.



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Sua trajetória nasce nas comunidades eclesiais de base e na Teologia da Libertação. Como essas experiências moldaram sua visão sobre direitos humanos e sua atuação no movimento LGBTQIAPN+?

A Igreja Católica tem uma grande contribuição na defesa da dignidade humana e dos direitos sociais, mas também carrega contradições profundas. Ao mesmo tempo em que prega o amor e a solidariedade, muitas vezes se alinha ao poder econômico e político, afastando-se dos pobres e marginalizados.Foi convivendo com essa ambiguidade que formei minha consciência social e política. A Teologia da Libertação me ensinou a enxergar o Evangelho como prática transformadora e a fé como compromisso com a justiça. Depois que deixei o seminário, continuei essa missão por outros caminhos: nas associações de moradores, nos assentamentos rurais e, mais tarde, no Partido dos Trabalhadores, do qual me tornei dirigente municipal.Essas experiências me mostraram que a luta por direitos humanos — inclusive os direitos LGBTQIAPN+ — é inseparável da luta por uma sociedade mais justa, laica e solidária.


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Agora, como Secretário de Estado dos Direitos Humanos, como você enxerga o diálogo entre o ativismo de base e as políticas públicas? Que desafios ainda persistem?

Ter passado pela militância e pela gestão pública me dá uma visão privilegiada desse diálogo. Já fui secretário adjunto de Educação em Maceió (2009–2012) e secretário de Cultura em Matriz de Camaragibe. Essas experiências me prepararam para o desafio de hoje: conduzir uma pasta ampla e estratégica como a de Direitos Humanos de Alagoas.Sou o primeiro ativista LGBTQIAPN+ a ocupar esse cargo no estado — e isso, por si só, já é simbólico. Nosso foco é construir políticas públicas permanentes, voltadas a segmentos historicamente vulneráveis: população negra, quilombola, cigana, em situação de rua, povos indígenas e comunidades de matriz africana.Entre os programas em andamento, destaco o Alagoas Sem Racismo, voltado à equidade racial, e o Ruas Visíveis, em parceria com o governo federal, voltado às pessoas em situação de rua. O desafio maior é transformar demandas históricas em políticas de Estado — estruturais, duradouras e com orçamento garantido.



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O livro valoriza a memória como forma de resistência. Que importância você atribui à preservação dos acervos e registros da militância LGBTQIAPN+ para as novas gerações?

A ideia do livro nasceu de uma conversa com o professor Elias Veras, do Departamento de História da UFAL. Senti a necessidade de reunir, em uma obra única, memórias, documentos, fotos e depoimentos de quem construiu o movimento LGBTQIAPN+ em Alagoas.Convidamos a jornalista Cíntia Ribeiro para somar à pesquisa, e o resultado é uma obra monumental — 714 páginas que narram mais de três décadas de lutas, afetos e conquistas. Há relatos de ameaças, de violência, mas também de vitórias e de solidariedade.O livro traz um acervo inestimável, com registros de figuras históricas como Carmen Lúcia Dantas, Paulão, Ronaldo Medeiros, Tereza Nelma, Ronaldo Lessa, além de vozes da nova geração LGBTQIAPN+.Mais que um documento histórico, o livro é um gesto de reparação simbólica e resgate da memória coletiva. Preservar esses registros é garantir que as futuras gerações saibam de onde vieram — e a quem devem a liberdade que hoje desfrutam.


Depois de tantos anos de luta, que mensagem você deixaria para a juventude LGBTQIAPN+ que continua a construir essa história?

Recentemente participei da 4ª Conferência Nacional dos Direitos LGBTQIAPN+, representando o Estado de Alagoas. Saí de lá profundamente inspirado. Vi uma juventude engajada, criativa, ousada — pronta para ocupar espaços e continuar essa trajetória.Minha mensagem é de esperança, mas também de unidade. É natural que surjam novas identidades e formas de expressão, mas precisamos evitar que isso nos fragmente. A força do movimento sempre esteve na coletividade, na soma das diferenças em torno de uma pauta comum: o direito de existir com dignidade. Se soubermos preservar essa união, o futuro do movimento LGBTQIAPN+ será ainda mais potente, plural e transformador.



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Sobre os organizadores:

  • ELIAS FERREIRA VERAS, homem gay cis, branco. Doutor em História pela

Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc). É professor dos cursos de

História (Licenciatura e Bacharelado) e do Programa de Pós-Graduação em História

(PPGH) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), onde coordena o Grupo de

Estudos e Pesquisas em História, Gênero e Sexualidade (GEPHGS/Ufal/CNPq).


  • MARCELO NASCIMENTO, homem gay cis, negro. Pioneiro e referência na construção

do movimento LGBTQIAPN+ em Alagoas. Graduado em Direito, com militância ligada

às comunidades eclesiais de base (CEBs), à Teologia da Libertação e aos

Direitos Humanos. Ativista filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), fundou o

Grupo Gay de Alagoas (GGAL). Secretário de Estado dos Direitos Humanos de

Alagoas (2025-2026).


  • CINTIA RIBEIRO, mulher negra, cis-lésbica. Doutora e mestra em Linguística

(Análise do Discurso) pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Defendeu a tese

“Matrizes de sentidos coloniais - um estudo interseccional sobre a racialização

da desinformação no Brasil. Jornalista e roteirista é organizadora do Fala,

Bolacheira! — evento de referência voltado para mulheres que amam mulheres.

 



SERVIÇO:

LANÇAMENTO: Livro 'Orgulho LGBTQIAPN+: Acervos, memórias e escritas de si –

Alagoas (1990–2022)'

  • DATA: 31 de outubro (sexta-feira)-10-25

  • HORÁRIO: 19h

  • LOCAL: Bienal Internacional do Livro de Alagoas (Auditório 1)

  • CONTATOS: Cíntia Ribeiro (82) 99159-1897/ Marcelo Nascimento (82) 888881313/ Elias Veras (82) 998000855

 
 
 

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